São Paulo, segunda-feira, 11 de novembro de 1996 |
Texto Anterior |
Próximo Texto |
Índice
Aviação do Laos apavora até ex-corajosos
ANA LUCIA BUSCH
O que me veio à cabeça quando soube do acidente foi uma tentativa de me convencer que foi acaso, recorrendo a estatísticas que provam ser difícil ocorrer comigo. Durou pouco até que eu entrasse no pânico comum desde que passei a ter medo de voar. Em abril de 1995, fiz minha última viagem tranquila: um vôo até Buenos Aires, sobrevoando, na companhia de meu irmão Milton, uma enorme tempestade, cuja beleza vista de cima nos manteve entretidos durante todo o trajeto. Queda no ar A partir daí, voar virou tortura. Dois dias antes do último réveillon, embarquei para Paris, de onde iria para a Ásia. Logo após a decolagem, antes que apagassem as luzes de "apertem os cintos" ou o piloto dissesse algo aos passageiros -sinalizando que a decolagem havia decorrido sem problemas-, o avião sofreu uma queda no ar. Olhei imediatamente para a sorridente aeromoça da Air France -novo indicador de tranquilidade. Até aí, tudo em paz. Parada em Paris, ida para Bancoc, na Tailândia, e de lá, por terra, para Vientiane, a capital do Laos -onde começaram os problemas. Decidimos conhecer o interior do país -tarefa impossível por terra, em virtude da ação de guerrilhas. A saída foi comprar duas passagens da Lao Aviation. O modelo do avião -um bimotor de fabricação chinesa, baseado no projeto do russo Antonov, nome que em si me apavora- só foi conhecido na hora do embarque. Pela janela do aeroporto, observei passageiros embarcarem em um helicóptero da Lao. Cheguei a ter o hoje impensável desejo de experimentar tal viagem. Cestos de arroz Qual não foi minha surpresa quando as hélices pararam, os passageiros desembarcaram e aguardaram na pista um mecânico com uma maleta na mão abrir uma portinhola e começar a consertar o motor do aparelho. Embarquei dez minutos depois. Caos total já na decolagem. Entre as duas fileiras de cadeiras se amontoavam cestos de arroz e pão e bagagem que não pôde ser acomodada no compartimento adequado. O avião começou a chacoalhar como um liquidificador. Foram 40 minutos balançando demais, sobre muitas montanhas. A porta que separa a cabine de comando dos passageiros permaneceu aberta todo o tempo, o que me permitia acompanhar nos instrumentos um desenho do avião aparentemente nivelado. A aterrissagem foi um terror. O avião se movia lateralmente, como se o piloto estivesse tentando encontrar a direção da pista. Desembarquei no aeroporto de Luang Prabang, que mais parece uma rodoviária do interior do Brasil, só pensando em como voltar. De avião, claro, mas com a janela fechada e a cabeça abaixada. Foram mais três vôos da Lao, um pousando num aeroporto com sede de madeira, em Xieng Kouang, e outro em direção a Phnom Penh, no Camboja. Suplício Daí para frente, mesmo os vôos de volta ao Brasil pela Air France -minha companhia preferida, quase que por superstição- foram um suplício. Meu namorado, André, que estava viajando comigo, foi obrigado a pedir um calmante à aeromoça quando comecei a chorar convulsivamente. Depois do episódio, eu acabei me tornando uma fanática pelas estatísticas de aviação. Cheguei a vasculhar agências de notícia em busca de acidentes, para que pudesse incluir a companhia envolvida na minha lista de "com essa nunca mais". É claro que isso é loucura. Voltei a Buenos Aires este ano e devo viajar novamente em dezembro. A diferença é que hoje, a cada embarque, me pergunto: "O que estou fazendo aqui?" Texto Anterior: Maioria tem "medinho" Próximo Texto: Curso socorre professora Índice |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |