São Paulo, sábado, 16 de novembro de 1996
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Zeca Pagodinho volta evoluído

PAULO VIEIRA
EDITOR-ADJUNTO DA ILUSTRADA

Zeca Pagodinho está de volta às paradas com "Verdade", faixa que abre seu novo disco, "Deixa Clarear". "Verdade" está entre as músicas mais executadas nas emissoras de ondas médias brasileiras.
O disco dá, como se Zeca precisasse disso, provas de sua fidelidade ao partido alto -gênero que se confunde com o pagode, mas está longe de ser o "sambanejo" praticado há anos pelos biliardários Raça Negra, Katinguelê e outros conjuntos de São Paulo.
Num gênero que surge da improvisação nas rodas de cavaquinho das tardes de sábado, Zeca consegue mostrar-se criativo.
Em relação a seu trabalho anterior, que tinha a emocionante "Samba pras Moças", Zeca aprimora a voz -sempre claudicante, quase a meio ponto da extinção. Parece saber como nunca o tempo da música.
A novidade está nos arranjos, que acrescentam cordas delicadas e alguns metais a certas faixas. Felizmente, o produtor Rildo Hora soube usar os floreios com moderação, sem empetecar a melodia simples e eficiente de Zeca.
"Verdade" rasga corações. O verso "descobri que te amo demais" abre a canção, com a voz peculiar de Zeca quase à capela, só acompanhado de cordas. A percussão virá a seguir, forte, segura.
O partido alto dá sinais explícitos entre "Colete Curto" e "Nega do Patrão", sem intervalo entre elas, e onde há uma citação de "Laranja Madura", de Ataulfo Alves.
As letras, que sempre em Zeca foram menos maliciosas que românticas, agora falam de alguém que parece ter se encontrado com o seu eu monogâmico.
Se em "Verdade" fala na "entrega perfeita do amor", em "Não Sou Mais Disso", é mais explícito: "Não traio e nem troco a minha patroa". Na mesma música, parceria sua com Jorge Aragão, diz que "deixou de ser pé-de-cana" e "vagabundo", "aumentou sua fé em Cristo" e, na hora de trabalhar, "levanta sem reclamar".
São temas que se distanciam das coisas que costumava cantar, como a descrição da construção de uma laje em meio à preparação de uma feijoada ou o tributo ao "fumo de rolo que vovó fumava".
Zeca não deixa de reverenciar a Velha Guarda da Portela, escola de samba onde cresceu zelando pelos instrumentos e fez sua iniciação musical. Paga tributo novamente ao decano portelense Monarco em "Vou Procurar Esquecer" -música que tem um surpreendente solo de clarinete.
Em entrevista por telefone de Xerém (região serrana do Rio) à Folha, deu mostras de seu já proverbial laconismo. Entre murmúrios, disse não se importar com as vendas de 700 mil, 1 milhão de discos dos grupos de "sambanejo" -Zeca, mesmo muito executado, não passa da média de 250 mil cópias vendidas. "Cada um na sua", disse.
"Deixa Clarear" é um grande disco. No conjunto, deixa a desejar em "Olhos", que tem interpretação gritada. Em "Boi" há a maior surpresa -metais quase tropicalistas e letra mística, sertaneja.

Disco: Deixa Clarear
Artista: Zeca Pagodinho
Lançamento: PolyGram
Preço: R$ 20, em média

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