São Paulo, sábado, 16 de novembro de 1996
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CD francês marca dez anos da morte de Magda Tagliaferro

LUIS S. KRAUSZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

Poucos pianistas de nosso século foram capazes de destilar, em suas interpretações, a volúpia emocional de Magda Tagliaferro. Uma das alunas prediletas de Cortot, morreu, há dez anos, passando férias no Rio de Janeiro, aos 93 anos.
Alguns meses antes, apresentou um inesquecível recital no Cultura Artística, em São Paulo, exibindo, pela última vez, de maneira fragmentada, a magnitude de seu talento ao público brasileiro.
Chega agora ao mercado, pela EMI France, um álbum duplo com uma breve seleção de grandes momentos de sua carreira. O álbum traz dois CDs, totalizando mais de duas horas de música.
O primeiro tem melhor qualidade sonora, já que provém de gravações mais recentes, em stereo (de 1972), e tecnicamente não difere muito de um CD novo. É inteiramente dedicado à música latina de raiz folclórica: De Falla, Granados e Albeniz, além de dez peças de Villa-Lobos.
Nos chamados anos loucos (década de 20), Magda logo se impôs como a grande dama da música latina, em Paris.
Suas leituras, que poderiam ser chamadas de expressionistas, extraíam, de cada nota, o máximo em sentimento e dramaticidade, o que agradou muito aos compositores espanhóis da época.
O próprio De Falla compôs, especialmente para ela, um arranjo de dança de "La Vida Breve", e é com a fenomenal "Dança Espanhola" desse autor que começa esta nova antologia.
Emblemática do disco como um todo, é peça que une dificuldades técnicas à paixão exacerbada, exibindo habilidade ímpar da pianista em lidar com os dois aspectos.
Numa seleção de pontos altos, não é possível destacar a grandeza de um em detrimento de outro, exceto pelo gosto ou pela maior afinidade com a obra desse ou daquele compositor.
Se Magda, com sua fantasia extravagante e seu estilo rebuscado, mostra-se próxima do temperamento sanguíneo de De Falla e sua obra cheia de prestos e fortíssimos, seus devaneios líricos e etéreos, igualmente passionais, são o canal perfeito para peças como "La jeune fille et le rossignol", de Granados, ou a "Valsa nº 5" de Chopin. São dois lados complementares de sua veia ultra-romântica.
Nada estava mais distante dela do que uma leitura seca, intelectualizada de qualquer partitura que fosse, o que a levou a se concentrar em segmentos bastante específicos do repertório.
Representante tardia da velha escola francesa -de quem foi herdeira através de Cortot-, ela retornou ao Brasil na década de 40, onde trabalhou com Villa-Lobos.
A seleção traz, desse compositor, dez peças breves, como "Rosa Amarela", "Alma Brasileira" e "Vamos atrás da Serra".
O segundo disco traz gravações históricas propriamente ditas, remasterizadas de LPs da década de 50, em mono. A qualidade sonora é inferior, mas não a musicalidade.
Segue-se uma peça breve de Mompou, "Jeunes Filles au Jardin", que tem a graça das melhores obras de Satie e a atmosfera vaga e etérea dos impressionistas.
Magda interpreta "Clair de Lune" (Debussy) de forma extraordinariamente lenta e sensual: cada nota é cercada por volutas de eco, obtidas pelo um uso generoso dos pedais, o que confere à música uma qualidade etérea, vaporosa, rica em evocações.
Por seu temperamento, o repertório alemão dizia-lhe menos respeito, à exceção de Schumann, de quem o disco traz uma dramática leitura da "Sonata nº 1".
Essa não é uma sonata no sentido beethoveniano. É muito mais uma sequência de pequenas formas poéticas, fracamente interligadas entre elas.
Mas Magda Tagliaferro foi pianista que persuadiu pelo apelo sentimental que conferia a cada peça, jamais por preocupação formalista rigorosa.
No décimo aniversário de sua morte, é irônico que este lançamento tenha sido feito na França. Mas, também, foi em Washington que ocorreram as maiores homenagens ao centenário da morte de Carlos Gomes.

Disco: Magda Tagliaferro
Lançamento: EMI France
Preço: R$ 45, em média (CD duplo)

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