São Paulo, domingo, 17 de novembro de 1996
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Atraso cambial

ÁLVARO ANTÔNIO ZINI JR.

O saldo negativo recorde da balança comercial de outubro não é circunstancial. É resultado de uma taxa de câmbio bastante defasada, que, somada ao rebaixamento tarifário de 1992-93, alterou drasticamente os preços relativos entre exportação e importação.
Está bem assentado na literatura especializada que a comparação entre preços internos e externos é relevante e robusta. Isso tem sido estudado desde os anos 20 e, embora tenha sua complexidade, sabe-se com clareza que indicadores usar e que inferências podem ser feitas (1).
Quem diz o contrário deseja confundir e esconder o erro da atual política econômica, centrada na dupla câmbio defasado e juro real elevado.
O cálculo do valor real da moeda nacional, tomando-se 1992 como base, indica uma apreciação cambial entre 30% e 45% usando-se uma cesta de moedas e fazendo-se comparações com preços no atacado e diversos indicadores de preços ao consumidor (gráficos com essas séries ficam para outra coluna por falta de espaço).
Câmbio defasado e rebaixamento tarifário explicam porque o saldo comercial caiu de superávits mensais até 1993 para os déficits atuais.
A liberalização do comércio exterior é correta, mas foi concebida para o valor real do câmbio de 1991-92. Com o atraso cambial houve uma forte perda da competitividade das exportações.
O fato de terem ocorrido ganhos de produtividade desde 1993 não retira validade da comparação de preços nacionais e estrangeiros. Todo produto que apresenta ganhos persistentes de produtividade tem seu preço reduzido (ou então a margem de lucros do setor cresceria absurdamente).
Assim, os ganhos de produtividade são incorporados nos índices de preços, tanto no país quanto no exterior. Não saber disso revela pouca familiaridade com a literatura sobre o câmbio.
É perigoso acumular déficits nas contas correntes com o exterior. O déficit nessa conta significa que se está acumulando passivos líquidos externos (sob a forma de dívida ou sob a forma de venda de ativos domésticos).
Parece que voltamos à política de endividar o país dos anos 70. Por enquanto não há risco de crise cambial, pois o resto do mundo está nos dando corda para nos enforcarmos. O problema virá quando puxarem a corda.

Álvaro Antônio Zini Júnior, 43, é professor titular de Economia Internacional da Faculdade de Economia e Administração da USP.

(1) O leitor interessado pode consultar o livro do autor, "Taxa de câmbio e política cambial no Brasil", Edusp e BM&F, 1992.

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