São Paulo, terça-feira, 19 de novembro de 1996
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Ouvidor diz ser difícil punir torturador

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

Benedito Domingos Mariano, 37, sociólogo e ex-dirigente de um movimento de direitos humanos, completa amanhã um ano como o primeiro ouvidor da Polícia do Estado de São Paulo.
Neste período, diz ter recebido mais de 3.100 denúncias e obtido a abertura de uma centena de inquéritos e sindicâncias, envolvendo 200 policiais. Cinco policiais militares estão presos.
Mas, com comedimento, Mariano critica a lentidão das investigações na Polícia Civil e se diz preocupado com a persistência da tortura numa das delegacias, a do Itaim Bibi, na zona oeste de São Paulo.
Eis os principais trechos de sua entrevista à Folha.
*
Folha - Qual é a proporção estatística entre o número de denúncias, o número de denúncias consideradas procedentes e o número de punidos?
Benedito Mariano - Temos até agora 1.100 casos resolvidos. Muitos deles dizem respeito à falta de policiamento em bairros de periferia. Nesses casos, os comandos de policiamento de área tomam as medidas cabíveis, e, dos 300 cidadãos que nos procuraram, só três voltaram a nos escrever, considerando que o policiamento inexistia ou era insuficiente.
Folha - Mas falta de policiamento não é um problema dentro do qual o policial pode enveredar pela contravenção e pelo crime...
Mariano - As questões relacionadas à integridade física têm prioridade no acompanhamento.
Folha - Mas não haveria uma subnotificação à ouvidoria? Ou seja, os abusos são bem mais numerosos que as denúncias recebidas?
Mariano - Os casos graves relacionados à integridade física têm diminuído, e isso em razão de uma política mais ampla da Secretaria da Segurança Pública.
Em 1992, na Grande São Paulo, foram 1.190 os civis mortos por policiais militares. No ano passado já eram 331, e este ano, até agora, 94.
O trabalho da ouvidoria ainda não é muito conhecido. Eu trabalho com a hipótese de que boa parte dos casos que nos chegaram em mãos não teriam sido objeto de denúncia, caso os interessados dispusessem apenas dos órgãos apuratórios das duas polícias.
Folha - Na prática, e volto à minha pergunta, quem foi punido?
Mariano - Temos cerca de cem inquéritos, sindicâncias e IPMs (Inquérito Policial Militar), envolvendo mais de 200 policiais.
Folha - Quantos afastamentos foram efetivados?
Mariano - Houve suspensões, demissões disciplinares e, com certeza absoluta, cinco policiais militares presos, que vão a julgamento no começo do ano que vem. Participaram de uma quadrilha, segundo denúncias recebidas.
Folha - A Polícia Civil é objeto de mais denúncias por extorsão e tortura. Há delegados e investigadores punidos por ação disciplinar?
Mariano - A maioria das denúncias que chegam à auditoria (60%) estão relacionadas à Polícia Civil. Mas os casos concretos de punição que temos até agora dizem respeito à Polícia Militar.
Folha - É um indício de que a Polícia Civil resiste de forma corporativa à punição de um dos seus?
Mariano - A estrutura interna da Corregedoria da Polícia Militar tem sido mais ágil que a da Corregedoria da Polícia Civil.
Folha - Essa falta de dinâmica não seria um eufemismo para designar um esforço para acobertar os policiais civis faltosos?
Mariano - Acredito que isso não ocorra. O corregedor-geral da Polícia Civil demonstra um sincero interesse em apurar as denúncias. Há casos que nos preocupam, como no 15º DP (bairro do Itaim Bibi), onde duas denúncias diferentes envolvem dois investigadores em casos de tortura.
Esperamos que haja uma resposta muito objetiva do corregedor.
Folha - Não o angustia o fato de torturadores possam continuar a torturar, talvez ainda hoje à noite, talvez no próximo plantão?
Mariano - A questão é complexa. Por mais que os depoimentos sejam detalhados por parte das vítimas, o exame do corpo de delito não demonstrou sequelas. A prova técnica inexiste. O Ministério Público deverá reconhecer a veracidade do depoimento da vítima.
Folha - Por sua experiência, o maior índice de corrupção aparece na Polícia Civil ou na PM?
Mariano - O caso mais grave que estamos acompanhando envolve uma quadrilha que praticou corrupção, assassinato e assalto a banco. Há uma conexão de envolvidos dentro das duas polícias. Segundo uma das testemunhas, a extorsão envolveu quase R$ 500 mil.
Digamos, para simplificar, que as denúncias por corrupção são muito poucas, e que a maioria dos que sofrem esse tipo de ação são marginais, que previsivelmente não nos procuram para se queixar.
Folha - Os policiais denunciados são de alto ou baixo escalão?
Mariano - Em caso de torturas, tem-se normalmente carcereiros e investigadores.
Há, no entanto, o caso de tortura de um casal de idosos, em que foram indiciados 11 PMs, um deles tenente (oficial).
Folha - Em termos funcionais, a ouvidoria precisa se aperfeiçoar?
Mariano - Deveremos dar novos passos. Um projeto que um grupo de personalidades propôs ao Executivo, e que será enviado à Assembléia Legislativa, poderá dar à ouvidoria autonomia orçamentária e funcional.
Folha - O sr. já foi ameaçado?
Mariano - Recebi telefonemas anônimos, mas foi um episódio menor, que prefiro minimizar.

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