São Paulo, terça-feira, 19 de novembro de 1996
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Mudança no câmbio

LUÍS PAULO ROSENBERG

É impossível negar que o déficit comercial de outubro, de US$ 1,3 bilhão, é um número surpreendentemente feio.
Se a trajetória de crescimento dos déficits mensais perpetuar-se, estaremos diante de um problema grave, capaz de ameaçar a saúde de nossas contas externas.
Daí a pular para a conclusão de que há necessidade de desvalorização cambial já, só para quem sofre de ejaculação precoce.
De fato, o governo já adotou medidas de estímulo às exportações, que necessitam de tempo para maturar.
A desoneração da exportação de semimanufaturados, os novos financiamentos à exportação e a criação de mecanismos de seguro para o exportador são ferramentas potentes para expandir o valor das nossas exportações em 97.
Ademais, as perspectivas de uma boa safra podem gerar algo como US$ 3 bilhões a US$ 4 bilhões de ganhos na balança comercial, entre maiores exportações de primários e menores importações de alimentos.
Será isso tudo suficiente?
Só o tempo dirá. O crescimento das importações de insumos, como é usual nos primórdios dos processos de abertura econômica, tem sido exponencial; se arrefecer, certamente estaremos com o problema resolvido. Se não, há que fazer mais.
Em último caso, mas só em último caso mesmo, desvalorizar o câmbio. O que jamais deveria ocorrer simplesmente porque estudos acadêmicos demonstram que a paridade cambial desvalorizou-se em "tantos por cento" desde uma data mágica no passado, que nada tem a ver com o quadro atual de produtividade, credibilidade, estabilidade e liquidez internacional da economia brasileira.
O economista que desvaloriza o câmbio deve saber e notificar à sociedade que, se a desvalorização for repassada aos preços, será retomado o processo inflacionário que procuramos exterminar: se não for permitido o seu repasse, por meio de uma recessão dolorosa, estaremos reduzindo o salário real do trabalhador em favor do exportador.
O mais importante, no momento, é que podemos esperar. Entre o que temos de reservas internacionais e o que deverá entrar de capital de risco em 97, não há como surgir uma crise cambial nos próximos meses, mesmo que a política governamental esteja errada.
Aguardar e aumentar o volume de informação sobre o desempenho por vir das contas externas -o que permitirá uma decisão educada de política econômica- são privilégios que adquirimos só recentemente e que devemos desfrutar.
Estamos livres da condução truculenta da economia, pela qual decisões que afetavam a vida de todos eram tomadas por alguns, na calada da noite, sem debates nem legitimidade.
O que me faz lembrar de uma experiência terrível vivida por Emir Capez, um dos mais hábeis investidores do mercado, nos tempos anteriores ao Real, quando tudo era possível.
Numa sexta-feira, estava Emir aguardando o "Jornal Nacional" quando veio a chamada de Cid Moreira: "Mudança no câmbio!" Como havia tomado posições devedoras pesadas em dólares, Emir aguardava a continuação do noticiário com o coração na mão, enquanto computava mentalmente o tamanho do prejuízo que teria, dependendo do tamanho da desvalorização cambial.
Voltou Cid Moreira com os detalhes e Emir descobriu, aliviado, que sobreviveria: "Mudança no câmbio... do carro de Senna!"

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