São Paulo, terça-feira, 19 de novembro de 1996
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Sopro de Bentes transforma ouro em arte

CELSO FIORAVANTE
DA REPORTAGEM LOCAL

O artista plástico carioca Maurício Bentes volta à cidade depois de cinco anos. Desembarca na galeria Valú Ória com 22 novas esculturas, a maioria constituída por fios de cobre, folhas de ouro e resina, outras como ferro e luz fluorescente.
São todos trabalhos em que Bentes retoma conceitos presentes em sua carreira desde o início, no começo dos anos 80: a luz como manifestação e símbolo de energia, a linha como construtora da forma, a luz e a linha como ilusões.
"Sempre procurei trabalhar com questões relacionadas ao fogo e à luz, desde o início, com a cerâmica, uma técnica em que a própria queima é a sua essência. Depois trabalhei com ferro, em que o fogo molda a forma. O uso da luz das lâmpadas fluorescentes também é uma tentativa minha de eternizar o momento da ação do fogo sobre o ferro", afirmou o artista.
Para refazer essa sua passagem da luz ao ouro, Bentes volta ainda mais no tempo e chega aos alquimistas, que trabalhavam com um ideal: a transmutação do chumbo em ouro.
"Agora não uso mais a eletricidade para evidenciar a energia. Agora é a própria luz a demonstrar essa energia. A chegada ao ouro representa o amadurecimento da minha linguagem artística", disse.
Na construção de suas novas peças, Bentes se utiliza de dois gestos criadores. Com as mãos, retorce os fios de cobre; com o sopro, cobre os fios retorcidos com frágeis folhas de ouro, que descobrem assim uma nova forma.
Sopro
O sopro é um velho conhecido da criação, desde a divina, que soprou nas ventas de Adão, até artísticas, como a do vidro e a da música. "O sopro é uma sutileza na criação da forma", disse Bentes.
Pode parecer messianismo e, por que não, pessimismo demais falar em "amadurecimento", ligando-se à concretização do ideal utópico dos alquimistas. Ou mesmo sedimentar sua produção artística em atos como a criação através da luz e do sopro, tudo isso aos 38 anos de idade, principalmente por ele ter se descoberto soropositivo.
"Meu amadurecimento não significa um fim, mas um domínio sobre meu trabalho. Mesmo a cor do ouro, que é amarelo, remete a algo maduro, em sua plenitude. A descoberta da Aids me interiorizou muito. Esses novos trabalhos são muito orgânicos", disse.
Segundo ele, seu trabalho sempre teve uma conotação espiritual, e o ouro é apenas um reflexo da luz. É seu próprio brilho materializado. Bentes está a anos-luz de distância de qualquer posicionamento melancólico em relação à sua produção.
Para ele, discutir a questão da morte foi uma ocasião para ele mergulhar mais fundo em seu trabalho e intensificar a sua produção. "A própria descoberta do HIV motivou uma nova discussão e aceitação de novas formas de sexualidade. Isso acabou sendo positivo", disse.

Mostra: Maurício Bentes - Esculturas
Onde: galeria Valú Ória (al. Gabriel Monteiro da Silva, 1.403, Jardins, tel. 011/883-0811)
Vernissage: Hoje, às 21h
Quando: até 20 de dezembro

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