São Paulo, terça-feira, 19 de novembro de 1996
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Revista traz textos em "brasileiro"

CÁSSIO STARLING CARLOS
EDITOR-ADJUNTO DO MAIS!

O dia da celebração da consciência negra no Brasil e o aniversário de 301 anos da morte de Zumbi dos Palmares ganham um reforço francês. É lançada amanhã no país o mais recente número da revista de artes "Revue Noire", que dedica sua edição inteira aos afro-brasileiros.
Fundada na França em 1991, a "Revue Noire" vem realizando, em seus 22 números já publicados, um mapeamento da cultura de origem e influência africanas espalhada pelo mundo.
O número "brasileiro" esteve sob os cuidados do pesquisador francês André-Jean Jolly, que sugeriu o país como tema durante a produção do livro "Le Messager", que reúne a trajetória do fotógrafo francês Pierre Verger (1903-1996).
Verger, que viveu no Brasil desde os anos 40 até sua morte, em fevereiro passado, foi uma espécie de pioneiro da "Revue Noire", registrando com seu olhar etnográfico os hábitos culturais afro-brasileiros.
Argumentando sobre a escolha do país, Jolly afirma que "a influência da cultura africana é uma evidência no Brasil".
"Não é preciso procurar muito, pois ela está presente em todos os aspectos da vida brasileira. Mas nosso objetivo não foi realizar uma pesquisa exaustiva. Tentamos dar somente alguns exemplos, do nosso ponto de vista franco-europeu", ressalva Jolly.
O pesquisador visitou os Estados de São Paulo, Rio, Bahia e Minas Gerais durante dois meses, reunindo material para o número.
"Infelizmente, apenas 20% do que recolhi está no material publicado. O material de dança acabou ocupando a maior parte das páginas por uma exigência dos festivais internacionais de Lyon e de Rhône-Alpes e da Bienal da Dança de Lyon, que financiaram em parte a publicação", afirma Jolly.
"Brésil Brazil Afro-Brasileiro" traz textos em três línguas -francês, inglês e "brasileiro", como os editores identificam a língua do país.
O que salta à vista é a preocupação em traçar um perfil dos resultados da mestiçagem que singulariza a cultura do país. No editorial, a ambiência é dada pelo "pagode, funk, rap e o balé dos telefones celulares dos yuppies", sons do "Brasil mestiço sem dinheiro".
Houve também o cuidado de fazer conviver a influência histórica africana e sua consolidação na obra de artistas contemporâneos.
Na perspectiva histórica, destaca-se um texto de Jolly sobre o barroco afro-brasileiro, diferenciado de suas origens portuguesas por ação de mestres-de-obras africanos e mestiços, como Aleijadinho. Para ele, "o barroco europeu de Ouro Preto é obstinadamente visitado por um rumor vindo de outros universos".
Há também um retrato atribuído ao francês Maurice Nadar que mostra o pintor Emmanuel Zamor, nascido na Bahia em 1840 e morto em Paris em 1918. Adotado por uma família francesa, Zamor foi morar em Paris, onde se transformou em integrante do movimento impressionista.
Quanto às artes plásticas, o número traz obras de Arthur Bispo do Rosário e Fernando Diniz, artistas internos de colônias psiquiátricas. Diniz, ainda no Centro Psiquiátrico Pedro 2º, no Rio, prepara um desenho animado.
Entre os contemporâneos, o número dá destaque, com duas páginas para cada artista, às obras de Rosana Paulino, Emanoel Araújo e Chico Tabibuia.
A parte fotográfica traz, além de registros de Pierre Verger feitos na Bahia nos anos 40, trabalhos contemporâneos da paulista Lúcia Villar Guanaes, dos mineiros Eustáquio Neves e Cuia Guimarães, do carioca Walter Firmo e dos baianos Bauer Sá e Adenor Gondim.
Completa o volume uma parte dedicada à literatura afro-brasileira. Do imaginário mítico das poesias de Edimilson de Almeida Pereira à discriminação racial e social que atravessa o conto "Por Que Fui ao Benedito Corvo", de Oswaldo de Camargo, o que se encontra aqui são autores em busca de uma identidade, resposta afirmativa à exclusão histórica sofrida pelos negros no país.

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