São Paulo, terça-feira, 19 de novembro de 1996
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Ex-guerrilha de El Salvador exporta diálogo

JAIME SPITZCOVSKY
DE PEQUIM

Nos tempos da Guerra Fria, "exportar a revolução" era um slogan caro a guerrilheiros e militantes de esquerda espalhados pela América Latina. Nos anos 90, a Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional (FMLN) abandonou a luta armada em El Salvador, se transformou em partido político e hoje exporta "técnicas de negociação de paz" para movimentos armados na Colômbia e México.
Quem revela o novo produto de exportação é Salvador Sánchez, coordenador-geral do Partido FMLN. O principal dirigente partidário foi, de 1983 até o fim da guerra civil, um dos cinco integrantes do comando militar da guerrilha. Era então conhecido como "comandante Leonel".
A guerra civil salvadorenha durou 12 anos e foi palco para combates entre as tropas do governo, apoiadas pelos EUA, e os guerrilheiros esquerdistas. O conflito, responsável pela morte de 70 mil pessoas, terminou com os acordos de paz de 1992.
Sánchez dirige agora um partido que conseguiu 25% dos votos na eleição presidencial de 1994, vencida por Armando Calderón, candidato da Arena (extrema direita).
Sánchez e a deputada Marta Valladares, a ex-guerrilheira "Nidia", falaram à Folha durante sua visita à China.
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Folha - Depois de uma guerra civil de 12 anos, El Salvador finalmente vive em paz?
Salvador Sánchez - Se definirmos paz como fim da guerra, da ditadura e do autoritarismo, podemos dizer que há paz no país. Mas se considerarmos do ponto de vista das necessidades econômicas e sociais da população, a paz ainda está por chegar. E mesmo na transição à democracia há grupos que querem regressar ao passado. São os setores que estiveram tradicionalmente vinculados à ditadura, mas que têm ainda influência. Alguns desses setores estão ligados ao crime organizado, ao narcotráfico e aos esquadrões da morte.
Folha - Então há o risco de uma nova guerra civil?
Marta Valladares - Estamos muito preocupados com os níveis de violência social. Hoje em dia, 74% da população vive em pobreza total. Isso se deve à política neoliberal do governo, que exclui setores da população. Nos acordos de paz buscamos mecanismos para resolver os conflitos. Mas o fórum de negociação econômica e social, estabelecido nos acordos, não se desenvolveu, e há lutas sociais, protestos de trabalhadores e aumento da criminalidade.
Folha - A Frente considera a possibilidade de voltar à guerrilha?
Valladares - Hoje, descartamos a volta à luta armada. A guerra surgiu porque estavam fechados espaços para nossa luta política. A guerra foi produto da militarização da ditadura. Os acordos de paz abrem esses espaços políticos.
Sánchez - A luta armada não depende da vontade da FMLN. Depende da existência ou não desses espaços políticos que permitam fazer as transformações sociais e econômicas. A situação de polarização existe no país. Os níveis de pobreza aumentaram, há uma guerra que se vê por meio da delinquência. Ou seja, existe uma guerra social.
Folha - Que tipos de contatos existem entre a FMLN e movimentos de guerrilha como os da Colômbia ou do México?
Sánchez - Nós, como partido, mantemos relações com movimentos armados. Falamos, por exemplo, do caso da Colômbia e temos alguns contatos com o movimento de Chiapas. Fundamentalmente, buscamos colaborar através da transferência de nossa experiência no processo de negociação, no processo de busca de soluções políticas pela via da negociação e construção da democracia. Nesse momento acompanhamos um esforço das forças colombianas que estão empenhadas na busca de uma negociação.
Folha - Como a FMLN se define hoje ideologicamente?
Sánchez - Deixamos de ser uma força militar. Desmobilizamos nossas estruturas militares e nos convertemos em partido político. Somos democráticos, porque queremos construir a democracia em El Salvador. Somos um partido revolucionário porque acreditamos que as transformações sociais e econômicas ainda são necessárias.
Folha - E o socialismo?
Sánchez - Somos socialistas no sentido de orientação. Na FMLN há um processo para reconstruir as idéias socialistas adaptadas à realidade de nosso país. Nossa luta imediata é contra a política neoliberal e dogmática do governo salvadorenho, e nossa política de longo prazo é socialista. Portanto, em relação ao socialismo, estamos repensando suas idéias. Não vemos o capitalismo como alternativa para El Salvador e para a região.
Folha - Qual é a alternativa?
Sánchez - A política neoliberal tende a fazer desaparecer o Estado e deixar o livre mercado ditar todo o desenvolvimento da sociedade.
Acreditamos que deve haver uma relação equilibrada entre Estado e mercado, e a finalidade dessa relação deve ser o bem-estar das pessoas. O que se verifica na América Latina é que a estratégia das políticas neoliberais gera profundas crises. Veja o caso do México, da Argentina e Brasil. Uma política alternativa da FMLN deve ter alto teor social, que crie mecanismos de distribuição mais justa, que resolva problemas de saúde e educação. Não é uma política contra o mercado, mas uma política para estabelecer uma melhor relação entre o Estado e o mercado.

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