São Paulo, quarta-feira, 20 de novembro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Washington revela técnica impressionista

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
DE WASHINGTON

No ano passado, a grande sensação artística da capital dos EUA ocorreu em torno de um nome quase desconhecido: Johannes Vermeer, um pintor do século 17, que fez apenas 35 pequenos quadros, a maioria dos quais jamais havia antes saído da Holanda.
Em 1996, a exposição mais badalada em Washington é em torno de uma pintura enorme e famosa, que está na cidade desde 1923, feita por um dos mais famosos artistas da história, Pierre August Renoir.
"Impressionistas no Sena" é uma concepção feliz dos responsáveis pela Phillips Collection para comemorar o jubileu de diamante (75 anos) do mais charmoso museu da cidade (que provavelmente tem o maior número de museus por habitante entre todas as capitais nacionais do mundo).
"Almoço do Grupo do Barco" (1881) é a principal peça do acervo da galeria, instalada no palacete em que moraram Duncan e Marjorie Phillips, os fundadores da coleção, tornada pública em 1921.
Em torno desse quadro, comprado pelos Phillips em 1923 por US$ 125 mil (o maior preço até então pago por um Renoir, equivalente a US$ 1,2 milhão atuais), organizou-se uma exposição inteligente e original, com 59 outras obras que de forma direta ou indireta se relacionam com o "Almoço".
A mostra estará aberta até o dia 9 de fevereiro. Ingressos ainda estão disponíveis, mas têm que ser comprados com antecedência de alguns dias.
A Phillips é um museu simpático não apenas para o público, mas para colecionadores e curadores de concorrentes. Os empréstimos para esta exposição foram generosos e simples. Há Manet, Monet, Sisley, Pissarro, Morisot, além de outros Renoir, vindos de Nova York, Chicago, Londres, Paris, Amsterdã, Viena e outras cidades.
Além das visitas, a Phillips decompôs sua estrela máxima para entendê-la nos mínimos detalhes. Apesar de tão famoso, o "Almoço" nunca havia sido antes objeto de estudos detalhados como os que a Phillips patrocina agora. Eles indicam o alto grau de sofisticação técnica exigida do artista pela pintura.
O óleo vai de espessuras grossas e muito coloridas nas naturezas mortas sobre a mesa a pinceladas leves na paisagem do fundo. Sutis gradações de luz definem o caráter tridimensional dos personagens e detalhes específicos de suas expressões faciais.
Os esboços de Renoir para o "Almoço" não sobreviveram, que se saiba. A evolução de como o pintor concebeu o quadro só pode ser depreendida de recentes exames. Reflectogramas em luz infravermelha e radiografias em raio-x mostraram que quase todas as figuras do quadro, que retrata uma vida sem problemas, tiveram de ser refeitas e reajustadas diversas vezes pelo artista.
A elaboração do "Almoço" foi muito menos pacífica do que as imagens reproduzidas por ele. Renoir mudou posições de chapéus nos personagens do primeiro plano, dos barcos ao fundo, expressões de olhares, até chegar ao conjunto que afinal o agradou.
Nem os talheres da mesa escaparam desse ardor pela posição perfeita. No total, o pintor trabalhou durante um ano até se dar por satisfeito.
Uma carta escrita por Renoir em 1880 mostra que ele se angustiava com prazos e se frustrava com os resultados do projeto: "...Eu não sei mais onde eu estou com esse quadro, a não ser que ele me aborrece mais e mais". Ao contrário do que se imaginou por muito tempo, o "Almoço" é um trabalho de estúdio, não de pintura ao ar livre.
As pessoas que aparecem no "Almoço" eram amigas de Renoir, e várias posaram para retratos, muitos também expostos na Phillips nesta mostra.
Um excelente catálogo, que se torna obra de referência indispensável para admiradores do Impressionismo, e diversas conferências e cursos sobre a arte nas duas últimas décadas do século 19 completam a memorável comemoração.

Texto Anterior: Gershwin ganham dois anos de homenagens
Próximo Texto: Arrogância e antipatia marcam a carreira de Sting
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.