São Paulo, quarta-feira, 20 de novembro de 1996
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'Eu não engoliria uma imposição hoje'

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REDAÇÃO

Zélia Duncan radicaliza, em "Intimidade", a opção de se tornar uma compositora popular. Só uma das 12 faixas não leva sua assinatura -"Vou Tirar Você do Dicionário", de Itamar Assumpção.
À Folha, ela falou de sua trajetória, dos planos para sua carreira, do show que estréia amanhã em São Paulo e do trabalho com Bete Coelho. Leia trechos a seguir.

*
Folha - Como você avalia a evolução de sua carreira, desde o disco de estréia até este "Intimidade"?
Zélia Duncan - Hoje sei que não estava preparada para certas escolhas do começo. Com "Outra Luz", tentei frear o excesso de teclados desesperadamente, mas os produtores não me ouviram. Hoje, quando ouço, acho graça. Até hoje tenho trauma de teclado.
Não soube dizer certos nãos que precisava ter dito. Comecei a cantar em 81 e só fui fazer o disco em 90. Já estava ansiosa para ter um trabalho. Tive receio de não conseguir fazer se dissesse muito não.
Adoro que ele exista, mas não tem nada a ver comigo hoje. Já "Zélia Duncan" tem muita coisa de mim. Pelo trauma com teclado, fiquei ainda mais fã do meu violão.
Quanto ao "Intimidade", o nome tem a ver com as coisas que eu constatei nesses últimos dois anos, de ver como você se expõe escrevendo alguma coisa, por mais tola que ela possa parecer.
Folha - É então uma trilogia, da falta de intimidade à intimidade?
Duncan -Acho bonito isso. Eu precisava de intimidade com o meu trabalho. "Zélia Duncan" já era assim, e "Intimidade" é uma confirmação de que eu estou tomando pé do meu trabalho. Eu não engoliria uma imposição hoje.
Folha - Não é raro um artista conseguir, já no terceiro trabalho, todo esse grau de liberdade?
Duncan - Quem não faz toma. Se você tiver um contrato com uma gravadora e não mostrar serviço, vão fazer por você. Sei que é importante ser um número para a gravadora. Há padrões que eles até impõem, mas, quando há personalidade, eles gostam também.
Folha - Existe uma mística de que você gravou um disco muito ruim no começo e depois encontrou uma identidade. Incomoda a exposição que causa o relançamento de "Outra Luz" em CD?
Duncan - Ele é minha história, absolutamente não quero apagá-lo da minha memória, nem que seja para olhar e falar: "Putz, o que é isso?"
Folha - Quando você começou a aparecer mais na mídia, "Zélia Duncan" já tinha sido lançado havia algum tempo. Onde você localiza o ponto de virada?
Duncan - O disco não tinha truque nenhum, "Catedral" nem era música de trabalho. Aí o CD foi considerado um dos melhores de 94 pelo crítico de música latina da revista "Billboard". Vim fazer um show em SP e todos cantavam junto. Tive pela primeira vez a maravilhosa sensação de existir. Logo depois do show, a música entrou na novela e começou a tocar.
Folha - Que tipo de empatia você tem com a MPB tradicional?
Duncan - Tenho muita. Quando comecei a cantar, só ouvia João Gilberto.
Folha - Mas o novo CD é mais próximo de gêneros como blues, folk e country rock, não é?
Duncan - Adoro blues, folk, hip hop, Stevie Wonder, Joni Mitchell. Mas gosto muito de ser brasileira. Eu só cantava MPB, e hoje tem gente de MPB que torce o nariz para mim. Acho engraçado.
Folha - O que você ouviu no período de criação do disco?
Duncan - Beck -adoro ele. Gosto muito do penúltimo do Everything But the Girl. Entre os brasileiros, Carlinhos Brown.
Folha - Por que você incluiu aquelas citações na música do Itamar Assumpção?
Duncan - Incluí "Barato Total", do Gil, porque acho que tem a ver com a letra, a melodia. E os Mulheres Que Dizem Sim são garotos bem legais. As pessoas acham que esse pedaço é uma bandeira gay. Mas para mim é mais amplo, de uma mulher dizer sim ao fato de ser mulher. É uma coisa muito mais feminina que homossexual, da Zélia dizendo "eu quero as mulheres que dizem sim".
Folha - Na época do vinil, dava para girar o disco ao contrário e decifrar trechos gravados de trás para frente, como o que você incluiu em "Minha Fé". Com CD, é impossível. Zélia Duncan tem segredos para o seu público?
Duncan - Não. É um trecho de uma outra música do próprio disco, não é mistério nenhum.
Folha - Como é ser dirigida por Bete Coelho?
Duncan - Ela tem constatado o que eu já estava prevendo, de lançar um olhar poético sobre o show, dar toques que eu não tinha percebido. Ela tem sido muito positiva no trabalho, tem um poder de síntese muito legal, estou muito bem acompanhada. Tenho certeza de que foi a escolha ideal.

Zélia Duncan conversa com o público hoje, às 13h, no Universo Online (http://www.uol.com.br/batepapo.htm). Quem não puder participar, pode ler a conversa na íntegra no arquivo da estação (http://www.uol.com.br/chat/arquivo.htm)

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