São Paulo, quarta-feira, 20 de novembro de 1996
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Medidas que podem proteger sua privacidade

BILL GATES

Quando eu era criança, os livros emprestados pelas bibliotecas vinham com cartões nos quais constava o nome de todas as pessoas que já os tinham levado para casa. Era divertido ver quem tinha lido o livro antes de nós, e quando.
Mas os cartões também representavam uma pequena invasão de privacidade.
Nossas escolhas passadas de material de leitura -incluindo livros sobre nossos tópicos pessoais preferidos, tais como política, saúde e até mesmo sexo- eram registradas publicamente.
Qualquer pessoa podia abrir um livro da biblioteca e, examinando seu cartão, verificar se você já o tinha levado para casa.
Poucas pessoas se queixavam dessa intromissão em sua privacidade.
Para começo de conversa, porque estavam acostumadas com isso.
Em segundo lugar, porque as informações sobre os hábitos de leitura de qualquer pessoa ficavam espalhadas por tantos cartões que seria bastante trabalhoso reuni-las num quadro coerente. Muito mais difícil ainda seria repassar ou vender essas informações a terceiros.
Mudanças profundas
Hoje em dia, a questão da privacidade está passando por mudanças profundas.
A tecnologia traz uma eficiência enorme para o trabalho de coleta, organização e distribuição de informações pessoais.
Essa eficiência já revolucionou inúmeras organizações e também aumentou as oportunidades para bisbilhotar a vida dos outros.
Hoje em dia, os computadores existentes nas bibliotecas, por exemplo, trazem listas de todos os livros que você já retirou, desde que começaram a ser feitos registros digitais.
Essa capacidade que tem o computador de examinar e organizar informações pessoais pode transformar sua vida num livro muito mais aberto, a não ser que sejam implementadas certas políticas bem pensadas.
Em muitos países, um número surpreendentemente grande de registros é público. Estão à disposição de quem quiser examiná-los.
Registros públicos
Nos Estados Unidos, por exemplo, os registros abertos ao público normalmente incluem as listas de eleitores, de contribuintes, contas de água e luz, dados do Departamento de Veículos Automotores, arquivos de empresas de seguros e sociedades limitadas, arquivos do Código Comercial Uniforme, arquivos de impostos federais, queixas registradas na polícia, dados de prisões e condenações, listas de pessoas que não pagaram seus cartões de estacionamento, procedimentos e julgamentos de tribunais, falências e homologações de testamentos, nascimentos, óbitos, casamentos e até licenças para ter animais de estimação em casa.
Uma quantidade enorme de outras informações pode ser obtida em diretórios e bancos de dados comerciais, incluindo listas telefônicas, diretórios municipais, diretórios profissionais e bancos de dados de jornais.
Muitos outros registros deveriam ser confidenciais.
Entre esses, figuram relatórios de crédito, registros de imposto de renda, registros da seguridade social, pedidos de emprego e financiamento habitacional, pedidos de empréstimo, registros de contas bancárias, registros de cartões de crédito, registros das companhias telefônicas, registros militares, registros escolares e registros médicos.
Como essas informações sempre levaram muito tempo para ser compiladas, boa parte delas tem sido relativamente inócua para a privacidade das pessoas comuns -mais ou menos como os cartões que acompanhavam os livros das bibliotecas.
Relacionar os dados
Quando os dados só podem ser encontrados em pedacinhos espalhados, são muito caros e pouco práticos para ser usados para qualquer outra coisa senão seu fim declarado.
Se um vizinho bisbilhoteiro quiser descobrir alguma coisa a seu respeito, terá de investir tempo e dinheiro para adquirir cada pedaço isolado de informação.
Mas, com o crescimento dos bancos de dados informatizados e, agora, da Internet, está ficando cada vez mais fácil correlacionar as diferentes informações para traçar um perfil de uma pessoa.
Algumas companhias já estão começando a oferecer serviços de coleta de informações pessoais, que elas vendem em CD-ROMs ou on line.
Diante da indignação pública suscitada por seus serviços, algumas dessas companhias reduziram seus planos.
Mas, apesar de quaisquer controvérsias que possam surgir, em pouco tempo muitas informações já deverão estar livremente disponíveis on line.
Registros policiais
É o caso dos registros policiais.
Hoje, esses registros são documentos públicos nos EUA, mas, excetuando os repórteres policiais, poucas pessoas se dão ao trabalho de vasculhar esses registros.
Com o tempo, porém, poderão ser consultados on line.
Qualquer pessoa poderá verificar se alguma vez a polícia foi chamada para resolver uma briga doméstica ou atender a uma queixa por barulho registrada contra seu vizinho -e quais os comentários posteriores registrados pelos policiais.
Mudar as regras
Com a Internet, esse tipo de informação vai se tornar extraordinariamente público, a não ser que as regras sejam modificadas.
Para proteger a privacidade das pessoas nesta era da informática, é preciso desenvolver o respeito pela privacidade das informações pessoais.
Não devemos proibir a coleta de informações legítimas, nem negar às organizações o benefício do acesso a bancos de dados.
As lojas no varejo precisam checar seu crédito antes de lhe emprestar dinheiro.
Uma seguradora precisa olhar seus registros médicos antes de lhe entregar uma apólice de seguros, e uma empresa de ônibus precisa verificar sua ficha policial e seu registro de motorista antes de autorizá-lo a conduzir uma perua escolar.
Personalização
A partilha de informações também pode ser justificada em algumas situações comerciais.
Muitos consumidores gostam de ter produtos e serviços adequados a seu perfil ou a suas necessidades individuais, desde que isso não comprometa a sua privacidade.
Mas, para proteger a privacidade, o acesso deve ser negado às pessoas que não têm nenhuma razão legítima para obter as informações que procuram.
Um vizinho bisbilhoteiro não deve poder verificar como anda seu crédito na praça. Um parente curioso não deve ter acesso a seus registros médicos.
A sociedade precisa definir os fins apropriados para tipos específicos de informação e desenvolver meios de limitar o uso das informações a esses fins específicos.
Não será fácil -mas é possível.
Os indivíduos e as organizações podem fazer sua parte, transformando a proteção da privacidade em objetivo importante.
As pessoas precisam reconhecer que parte de seu papel é defender o caráter confidencial das informações.
As empresas precisam de políticas de aplicação viável, que proíbam os funcionários de vasculhar registros só para sua própria diversão.
Quando as pessoas se conscientizarem de quantas informações a seu respeito estão arquivadas em computadores e como elas podem ser usadas, a questão da privacidade -o equilíbrio entre liberdades individuais e o direito do público de acesso a essas informações- vai se transformar num tema "quente".
E é um tema do qual tratarei periodicamente nesta coluna.

Cartas para Bill Gates, datilografadas em inglês, devem ser enviadas à Folha, caderno Informática -al. Barão de Limeira, 425, 4º andar, CEP 01202-900, São Paulo, SP- ou pelo fax (011) 223-1644. A correspondência pode ser enviada ao endereço eletrônico askbill@microsoft.com.

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