São Paulo, quinta-feira, 21 de novembro de 1996
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Português abandona decoreba

PASQUALE CIPRO NETO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Se as provas dos últimos dois anos puderem ser tomadas como referência, o candidato a uma das vagas da Fuvest deve esperar um pouco de tudo.
Em gramática, devem ser cobrados os itens mais importantes, como crase, acentuação, regência, concordância, conjugação verbal, pontuação e até colocação pronominal.
Ficou claro, pelas últimas provas, que a Fuvest abandonou a linha "decoreba". Inútil imaginar que quem decorou listas e listas tenha grande possibilidade de sucesso. A prova exige que o candidato demonstre bom senso e capacidade de raciocínio, de reflexão.
Tome-se como exemplo uma questão de 96 ("Dessa forma, ......... estimular as obras do metrô, uma solução não poluente, ............ eficácia supera a de outras modalidades de transporte."), em que o aluno devia optar, na primeira lacuna, entre "impõe-se" e "impõem-se" e preencher a segunda com a forma adequada.
"Impõe-se" é forma da terceira pessoa do singular; "impõem-se" é da terceira do plural. Você pode, num primeiro momento, imaginar que o correto seja "impõem-se", dada a presença do termo plural "obras". Mas não é assim. O que se impõe não são as obras, e sim "estimular as obras". Por isso o verbo fica no singular.
Na segunda lacuna, o aluno devia demonstrar conhecimento de um termo típico da variante culta da língua: o pronome relativo "cuja", que indica relação de posse. Fala-se da eficácia do metrô, ou seja, da eficácia que o metrô tem, que é dele, que ele possui. Por isso "cuja eficácia", e não "que a eficácia", a forma comum na língua coloquial.
Convém agora lembrar velhos assuntos, como o problema do verbo com a partícula "se". Apesar de serem comuns no padrão coloquial, construções como "Aluga-se casas" ou "Conserta-se relógios" são rejeitadas na língua culta. Para resolver a questão, use aquele artifício bem conhecido: faça a troca pela forma composta da voz passiva. "Alugam-se casas" equivale a "Casas são alugadas"; "Consertam-se relógios" equivale a "Relógios são consertados". Nesses casos é necessário fazer a concordância do verbo com o sujeito paciente ("casas" e "relógios", respectivamente).
Com verbos que pedem preposição, como precisar, tratar (precisar de, tratar de), não é possível a passiva. Ninguém diria "De operários são precisados", nem "De casos graves são tratados". Portanto nada de "Precisam-se de", ou "Tratam-se de". O verbo deve ficar no singular.
Ainda sobre concordância, é bom não errar o verbo haver, impessoal com o sentido de existir, ocorrer. "Houve vários acidentes"; "Havia muitas pessoas na sala".
Crase
Crase é outro tópico provável. É bom lembrar que crase significa fusão (a+a) e que é impossível que ocorra antes de palavras que não admitem o artigo feminino "a". Verbos, palavras masculinas e a maioria dos pronomes são os casos mais corriqueiros de crase absurda.
Cuidado também com o caso das palavras repetidas (gota a gota, face a face) e com o "a" que vem antes de plural ("Não vou a festas").
Pontuação
Em pontuação, é bom não esquecer o caso das orações adjetivas, aquelas que são introduzidas por um pronome relativo (em geral, o "que", que pode ser trocado por "o/a qual", "os/as quais").
Quando são explicativas, devem ser separadas por vírgula ("O Botafogo, que é o atual campeão brasileiro, não tem chance de conquistar o bi"). Quando restritivas, não há vírgula ("O time que ganhar o Brasileiro participará da Liberadores").
Verbos
Quanto aos verbos, cuidado com os clássicos. Ver, pôr, ter, vir e derivados são assíduos. Lembre-se de que o futuro do subjuntivo de ver é vir ("Quando eu vir sua prima"). O de vir é vier (Quando ela vier aqui).
Muito cuidado com os derivados. "Se você expuser o quadro", "Se você não intervier na questão", "Se eles mantiverem a calma", por exemplo, são frases corretíssimas, mas diferentes do que se faz no dia-a-dia.
Como dica final, cuidado com a pressa. Leia e releia cada questão. Se perceber que não é capaz de resolver de imediato, pule. Deixe para o final. Vale a velha dica do "pega-vareta".
Boa prova.

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