São Paulo, quinta-feira, 21 de novembro de 1996
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Paulinho da Viola

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

A próxima semana promete ser a mais feliz desta década para a MPB. Paulinho da Viola, 54, quebra silêncio de oito anos e lança "Bebadosamba" (BMG), seu primeiro trabalho gravado nos 90.
Não é só isso: a EMI reedita em CD as 11 obras-primas que o artista lançou pela gravadora, entre 1968 e 1979. Os discos foram remasterizados em Abbey Road, lendário estúdio dos Beatles, e ganham formato de luxo, com capas e encartes originais e faixas-bônus.
Após cinco meses no estúdio -uma eternidade, para os padrões atuais das gravadoras-, revela-se, em entrevista à Folha, entusiasmado com o processo que vinha adiando desde 89. Leia a seguir trechos da entrevista.
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Folha - Por que você ficou tanto tempo sem gravar?
Paulinho da Viola - Não foi culpa de ninguém, acho que nem minha. Alguma coisa em mim dizia que não era a hora. A gente começa a achar que o tempo está passando rápido demais, nem parece que foram oito anos. Talvez eu tenha ficado muito tempo longe, mas não me dei conta. Comigo nunca houve isso de fazer disco por fazer.
Folha - Você chegou a evitar a volta às gravações por achar que não tinha nada a dizer?
Paulinho - Sim. Tem gente que vive só para isso, que diz: "O palco é a minha vida". Eu sou diferente. Gosto de ter tempo para mim, para ver a cidade, conversar, ler.
Eu não luto contra o tempo. Não quero disfarçar, retardar. Mas vivemos um tempo de velocidade ao qual a gente ainda não se adaptou.
Folha - Que lugar o samba ocupa hoje em sua vida?
Paulinho - O tempo todo da minha vida. Às vezes me sinto numa outra dimensão, às vezes eu não tenho com quem falar isso. Tenho essa coisa da memória, meio atemporal. O samba faz parte de um universo que se ampliou, não evoluiu. Não acredito nisso.
Só me sinto um pouco sozinho, não tenho com quem compartilhar. Isso é um problema do nosso tempo. Não é à toa que as pessoas estão na Internet contando suas mazelas, suas intimidades.
Folha - Três canções do CD falam sobre inspiração, uma delas sobre os sobressaltos causados pela falta de inspiração. Você sente isso?
Paulinho - Um pouquinho. Esse samba é uma anunciação, "quando o samba chama, ela vem". "Chama" é um elemento simbólico importante para mim.
Folha - Por que o nome "Bebadosamba"?
Paulinho - "Bebadosamba", "bebadachama". É para beber da chama e a chama bêbada, no sentido de estar embevecido, embebido. Uso um personagem, o Boca, que assume a lágrima comum que todos choram. Ele existe mesmo, eu observava. Tenho medo de dizer o nome, não sei se morreu. Ele ia para o samba, tomava umas; o samba acabava, ele vinha solitário, tocando cuíca. Gostaria de encontrá-lo. Joãozinho da Cuíca.
Folha - Você gravava com mais frequência sambistas como Wilson Batista, Noel. Por que reduziu?
Paulinho - Comecei a compor mais, senti essa necessidade. Mas não descartei ainda um antigo sonho de gravar um disco só de Wilson Batista. Também Geraldo Pereira, Herivelto Martins.
Folha - Você gravou um disco para um selo alemão?
Paulinho - Faz uns três anos. Foi um convite da gravadora Network, que lança discos de artistas de países diferentes. São só regravações. No Brasil, não sei se é possível sair.
Folha - Fale um pouco sobre os discos relançados pela EMI.
Paulinho - Isso é uma coisa importante na vida de alguém. Gosto muito do primeiro disco de 71 ("Paulinho da Viola"). Não era comercial, e me pediram logo para fazer outro. Fiz um mais estranho ainda (também "Paulinho da Viola"). Gosto muito de "Nervos de Aço" (73). Mas os meus preferidos são os dois "Memórias" (76).
Folha - Você vai demorar mais oito anos para fazer um novo disco?
Paulinho - Não, acho que não vai acontecer mais. De repente, ano que vem estou fazendo outro. Ou daqui a dois anos...

O jornalista Pedro Alexandre Sanches viajou a convite da gravadora BMG.

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