São Paulo, quinta-feira, 21 de novembro de 1996
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Marcelo Bratke educa ouvidos para compositores menos conhecidos

ARTHUR NESTROVSKI
ESPECIAL PARA A FOLHA

O Grupo dos Seis, ou "Les Six": Poulene, Milhaud, Honnegger... quem eram os outros mesmo? Quase ninguém sabe, e quem sabe esquece. A resposta está na pequena antologia gravada pelo pianista Marcelo Bratke, num CD (gravadora Olympia) lançado anteontem em concerto no teatro Cultura Artística.
Para os padrões internacionais de hoje. Marcelo Bratke não chega a ser um virtuose; mas faz disto mesmo sua maior virtude. Sem rivalizar com Kissins e Pogorelichs nas olimpíadas de Chopin, Bratke vem construindo uma carreira que é quase um serviço de utilidade pública, tocando e gravando compositores menos conhecidos.
Foi assim com "Mutationen" (Berg, Webern, Krenek) e com a gravação de música para/sobre crianças de Villa-Lobos. E foi assim com o CD "Brasil", reunindo tangos de Ernesto Nazareth e as "Saudades de Brasil" de Milhaud -utilidade pública para ingleses, franceses e outros estrangeiros que agora descobriram Nazareth.
O novo CD é uma preciosidade e não tem (que eu saiba) similar. Nem tudo é grande música nessas 30 peças; mas nem tudo que nos interessa precisa ser grande. Bratke é um dedicadíssimo pianista da pequena música, um músico de notas de rodapé -mais vivas, tantas vezes, que o texto principal.
Só a gravação do "Romance" de Germaine Tailleferre, ou dos "Três Prelúdios em Memória de Juliette Moerowithc", de Louis Durey, ou de "Adieu New York", de Georges Auric, já fariam do CD uma referência essencial.
Além dessas, o disco inclui o "Álbum dos Seis" (1920), suíte escrita a 12 mãos, mais sete miniaturas de Monegger e duas vezes seis peças de Milhaud e Poulene, compositores que não são nunca menos que simpáticos, às vezes são bem mais do que isso e cujo pior crime é ocasional bobice.
Bratke em concerto é menos controlado que no CD e está à vontade nessa música. Toca tudo com fluência e naturalidade e só fica devendo um pouco mais de estranhamento, de paródia, graça, ironia, sem o que o repertório fica parecendo mais sério do que precisa.
A magreza é a moral dos tempos, eu sei, mas um exagero ou outro, um pouco menos de fineza e musicologia, e um pouco mais de deboche não matariam ninguém.
Também tenho algumas dúvidas sobre o repertório de concerto. O CD é perfeito como obra de referência; mas ninguém vai escutar essas peças todas em ordem, 30 miniaturas uma depois da outra.
No concerto, tudo acaba se tornando um pouco indistinto, ou, pior ainda, didático. Meio programa basta; na outra metade, Bratke poderia nos educar um pouco mais sobre outros compositores.
Mas oxalá houvesse mais músicos como esse. Que diferença sair da presença ofuscante de astros e habitar, por uma noite, o espaço acolhedor de uma boa companhia, sua conversa honesta e gentil, e boas histórias para contar.

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