São Paulo, quinta-feira, 21 de novembro de 1996
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Banalidade da violência

CARLOS HEITOR CONY

Natal - O pior da violência -li isso num autor francês cujo nome não me lembro- é quando nos habituamos a ela, quando a consideramos inevitável e natural como a noite e o sono. Banalizada, a violência passa a fazer parte de nosso dia-a-dia, ela não mais nos repugna, tratamos de evitá-la como evitamos a chuva, só isso.
Entre as componentes que geraram essa promiscuidade com a violência o cinema tem lugar de destaque. Os filmes dos anos 30, fossem os faroestes ou os G-men de Chicago, deram início à intimidade de minha geração com o crime, a morte brutal, o sangue espirrando.
Evidente que essas coisas sempre aconteceram, mas um cidadão normal podia nascer, viver e morrer sem ver um único homicídio, sem presenciar uma briga mortal, sem ver uma cabeça decepada rolando na areia. Foi o cinema que, em grau estético variado e discutível, difundiu imagens que hoje entram pelos nossos olhos não mais pelo cinema, mas pelas matérias do jornalismo diário, seja o eletrônico ou o gráfico.
Depois de duas semanas no Mediterrâneo, estou em Natal, presidindo o júri do Festival de Cinema local em sua oitava edição. Os dois filmes que vi, "O Baile Perfumado" e "Corisco & Dadá" são bonitos plasticamente, com estupendas tomadas do sertão, cenários amplos e bem fotografados. Mas trazem uma dose de violência concentrada que me obrigou algumas vezes a fechar os olhos, de tão repugnantes.
O território de ambos os filmes é o cangaço, um cangaço glauberiano, com mais apuro na cor e no ângulo, mas sem a força mítica e mística que marcou a obra do cineasta baiano. Glauber se preocupava em mostrar a violência institucional do universo rural, mas evitava o esguicho de sangue, os olhos arrancados, as tripas de fora.
Independente do mau gosto de cenas tão cruas, fica a reflexão sobre a responsabilidade que o cinema como um todo adquiriu na banalização da violência.

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