São Paulo, sexta-feira, 22 de novembro de 1996
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As correntes contra a privatização da Vale

MAILSON DA NÓBREGA

O movimento contra a privatização da Vale abriga pelo menos três correntes. A primeira, nutrida no antigo conceito de segurança nacional dos militares e no nacionalismo getulista dos anos 30 e 40, usa o argumento da dimensão estratégica da empresa.
A segunda, enraizada em velho padrão, que atribuía ao Estado papel central na economia e na sociedade, alega a sua dimensão desenvolvimentista.
A terceira, fundada na visão fantasiosa de que o setor privado se interessaria por prejuízos, invoca a dimensão da rentabilidade.
A tese nacionalista, a mais anacrônica, é a mesma das mentes que moldaram o artigo 170 da Constituição, segundo o qual a ordem econômica deve observar nove princípios, dos quais o último é a busca do pleno emprego e o primeiro a soberania nacional.
Para essa corrente, privatizar seria desnacionalizar, um atentado à soberania. É como se o capital estrangeiro, caso comprasse a Vale, levasse as minas e as máquinas para o exterior em vez de operá-las no Brasil e aqui gerar renda e emprego.
Teorias conspiratórias alertarão para o perigo de deixar uma empresa "estratégica" em mãos estrangeiras.
A soberania nacional, qualquer um sabe, não pode ser relegada a um plano inferior, mas o conceito já evoluiu quilômetros desde a década de 40, sobretudo após o lançamento das bases da União Européia.
Antes mesmo do Tratado de Roma (1957), os líderes europeus conseguiram apoio à tese de que cada país deveria ceder um pouco de sua soberania para, via integração, promover a reconstrução pós Segunda Guerra, o desenvolvimento e a paz duradoura.
O Mercosul, que tem inequívoca inspiração no êxito da União Européia, já exibe inúmeros benefícios, inclusive o de ter enterrado as rivalidades históricas entre o Brasil e a Argentina. Mas o conceito antigo de soberania ainda resiste.
Quanto ao desenvolvimento, há pelo menos 500 anos a humanidade vem perguntando de onde ele vem. No período mercantilista (séculos 15 a 18), achava-se que se originava dos saldos positivos no comércio exterior.
A idéia era que o Estado seria tão mais forte quanto maior fosse o seu estoque de metais preciosos. A melhor forma de acumulá-los seria exportar mais do que importar. Daí o brutal controle estatal sobre as atividades econômicas.
Com Quesnay (1758), os fisiocratas se opuseram ao mercantilismo. Para eles, a agricultura era a única fonte de riqueza. O agricultor deveria ter a liberdade de produzir o que quisesse e vender onde desejasse. Por isso, pregavam o fim do controle estatal.
Em 1776, Adam Smith apoiou a liberalização, mas provou que a riqueza vinha da produção geral de bens e do esforço da sociedade. Um elemento chave era a divisão do trabalho, que dependia do tamanho do mercado. Nascia a idéia central da produtividade.
A partir daí, tornou-se claro e aceito que o desenvolvimento é gerado pelo ganho permanente de produtividade, sendo múltiplas as suas razões, tais como o investimento, a educação, a cultura do país e o seu sistema institucional.
O papel desenvolvimentista da Vale independe, pois, de sua dimensão estatal. Ela somente contribui para o desenvolvimento se aumentar a produtividade, ou seja, se for capaz de investir permanentemente em capital físico, recursos humanos e tecnologia.
Para tanto, precisará de aportes de capital por parte de seu principal acionista, o Estado. Se este está quebrado, a privatização é a saída lógica para preservar aquele papel.
Quanto à rentabilidade, qualquer principiante sabe que empresa rentável é aquela cuja taxa de lucro é superior à da melhor alternativa de aplicação do seu capital. Não basta, pois, ter lucro. É preciso que esse lucro compense.
Pois bem, de 1988 a 1995, a Vale gerou, em média, dividendos de 2% sobre o capital investido, menos do que o rendimento anual da caderneta de poupança e menos ainda do que o Tesouro paga de juros pela dívida pública.
Financeiramente, a Vale é um mal negócio para o Tesouro. Estrategicamente, o controle do Tesouro é um mal negócio para a Vale. Socialmente, é melhor que os escassos recursos do Estado tenham destinação mais prioritária.
O país amadureceu e o movimento parece não ter percebido. Por isso, dificilmente será vencedor. Pode, quando muito, atrapalhar.

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