São Paulo, sexta-feira, 22 de novembro de 1996
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Eleição e saco de chumbo

JOSÉ SARNEY

De uma eleição municipal podemos tirar lições. A primeira delas é que de eleição municipal não se pode tirar nenhuma lição. Quando muito, indicadores locais. E isso não é demérito.
É a própria estrutura da pirâmide do poder democrático nos Estados federados em três níveis: federal, estadual e municipal.
No primeiro, as questões globais; no segundo, as regionais e no último, as coisas locais. Ao eleitor se dá o direito de participar dos três níveis e, em todos, separadamente, opinar e decidir.
O município é a base, onde as questões dizem respeito ao cotidiano das pessoas, de seus problemas de ir e vir, dos serviços diretos e próximos que lhe são prestados.
O eleitor não vai indagar-se sobre a responsabilidade do presidente ou do governador a respeito dos buracos na sua rua nem da capacidade dos candidatos em tapá-los, e sim do prefeito ou candidato, e do vereador mais ainda.
Saindo da teoria para a prática, vamos baixar nas últimas eleições. Dois fatos mudaram a face da política brasileira. Não foi a queda das ideologias nem o desmoronamento do mundo comunista.
Foi o impeachment de Collor, onde ficou claro que quem governa pode quase tudo; não pode, por exemplo, transformar a função pública numa suspeita ação entre amigos.
Depois, o escândalo da Comissão de Orçamento. Nada mais purificador da política brasileira. Mudaram a política, os processos, o Congresso.
Só essa transformação credenciaria o Legislativo nos serviços prestados ao país. O Brasil passou a ser diferente, quem não entendeu isso desapareceu.
As eleições -a verdade deve ser dita sem subterfúgios- eram financiadas sem controle da Justiça Eleitoral e essa prática se estendia a todos os partidos. Os doadores não se expunham.
O que isso tem a ver com 3 de outubro ou 15 de novembro que passaram? É que venceu quem pôde mobilizar recursos além das fontes secas.
Foi a primeira eleição em que as campanhas -fora os eleitos dos deuses- foram de pobreza franciscana.
Outra -dentre muitas outras não-lições ou má lições- é a lei de que em qualquer eleição se vota em pessoas, candidatos, e não em abstrações.
O eleitor está ligado no futuro. A máquina cresceu de importância e a TV teve um peso maior.
Eu conheci um chefe político que uma vez me advertiu quando viu um nosso candidato a deputado:
"Por favor, não me peça, não carrego mais saco de chumbo!".
Numa eleição, qualquer que seja, não prescinda de um razoável cavalo e um excelente jóquei. Puro sangue montado por vaqueiro gordo não corre em raia pesada.

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