São Paulo, sábado, 23 de novembro de 1996
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Intolerância e violência

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Dei um tempo. Embora esta coluna refira, de preferência, temas jurídicos que mereceram atenção durante a semana, esperei semanas antes de discutir com o leitor um crime ocorrido há dois meses em São Paulo no qual três homens, com profissão conhecida e residência certa, sem antecedentes criminais, mataram outro, a socos e pontapés, deixando-o estendido no meio da rua e partindo, indiferentes aos gritos da mulher da vítima. Houve um raspão entre dois espelhos retrovisores, numa esquina comum. Surgiu o desentendimento. Das palavras à morte, foram cinco minutos. Deixei que o tempo decantasse a brutalidade.
A violência urbana é um fato jurígeno, tomada essa estranha palavra no sentido de fato que produz efeitos jurídicos, bons ou maus. As agressões e as mortes são seus produtos mais evidentes. Mas não esqueçamos a violência moral ou psíquica, da imposição desleal do mais forte, nem sempre denunciadas. A violência das duas espécies, porém, não é, em si mesma, uma causa, mas resultado de muitas fontes. Vejamos algumas delas.
Uma dessas causas, de predominante conteúdo sociológico ou ético, é a intolerância. Há, porém, espécies imperceptíveis de intolerância no fundo das pessoas aparentemente pacíficas. Só repercutem no direito ao explodirem, detonando a criminalidade.
Na cadeia sequencial dos fatos sociais contemporâneos, a intolerância individual e coletiva é fortemente estimulada pela concorrência, pela competitividade, pela disputa de posições na empresa, na comunidade, nos espaços públicos, pelo consumo, pela busca de "status", pelos ricos e pelos pobres, cada um deles em seu nível social. Idealmente, seria desejável que os seres humanos se mostrassem empenhados em obter vitórias pessoais, sem passar à agressão. Mas, o homem, lobo do homem, jamais atingirá esse objetivo ideal. Justifico o pessimismo: o ser humano ainda mata e destrói em nome de Deus e sob invocação das religiões.
A primeira prioridade da sociedade moderna, em São Paulo e nas grandes cidades do mundo, evidenciada pelas pesquisas, é a segurança individual. Segregada pelo temor da agressão externa, a cidadania é estimulada a ser mais intolerante, por ameaças verdadeiras e falsas, advindas dos "agressores", principalmente os pobres e miseráveis.
No evento da morte de um cidadão comum, causada mediatamente por um raspão banal, o impulso que levou à tragédia foi a intolerância. Gerou a inconsciência do que a agressão poderia produzir o quádruplo resultado: um morto, tirando-o de sua família, no drama irreparável e três mortos-vivos, presos, afetando suas vidas e a de seus familiares até o fim de seus dias.
A escala das prioridades sociais será satisfeita, a curto prazo, com o combate da criminalidade e da violência, por meio de mecanismos apuradores punitivos e eficazes do Estado. Porém, ao nível da consciência individual e coletiva, o caminho para diminuir a violência depende de nos tornarmos mais tolerantes com os outros, compreendendo-lhes as fraquezas e as diferenças. Pensar que o direito e o Poder Público podem resolver o problema é um erro. A solução está, embora a prazo muito longo, em cada um de nós.

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