São Paulo, sábado, 23 de novembro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Em busca da liberdade: a prisão civil no Brasil

JOÃO ABÍLIO DE CARVALHO ROSA

Em Jackson, interior dos Estados Unidos, os sem-terra George e Kitty foram condenados a sete anos de reclusão por não terem pago a conta do armazém.
Atribuiu-se a eles a acusação de "obterem propriedade sob falsos pretextos".
A história, baseada em fatos reais, foi exibida no filme "Scattered Dreams", traduzido sob o título "Em Busca da Liberdade". O tema não é original: trata da discriminação a grupos desassistidos, ou da quase absoluta prioridade dos direitos patrimoniais.
Não se tem no Brasil ilícito civil com tal nomenclatura, embora outras expressões sejam aqui usadas com o mesmo objetivo -a prisão do devedor.
Ligada a contrato de dívida, a acusação aqui se dirá integrante do conceito de "depositário infiel".
Assim, todos os devedores de contratos com alienação fiduciária em garantia, depósito, ou de contratos com arrendamento mercantil, estão na mesma posição de George e Kitty.
Em contrapartida, os credores dos referidos contratos passam a ter não apenas garantias patrimoniais, mas também garantias sobre as pessoas dos devedores, fisicamente.
Sustenta-se que a possibilidade de prisão por dívida no Brasil vem da própria Constituição Federal e que os juízes estariam a agir em seu nome.
Defende-se, entretanto, que os juízes podem oferecer uma solução constitucional desde que reconheçam que o Brasil não está só no mundo e que, tanto quanto George e Kitty, contrai obrigações pelas quais se torna vinculado.
O Brasil assinou, ratificou e mandou cumprir a Convenção Americana sobre os Direitos Humanos, em pleno vigor no Brasil desde 1992.
Segundo a Convenção, ninguém pode ser preso por dívida, exceto na hipótese de descumprimento a obrigação alimentar.
A Convenção também estabelece que o Estado signatário deve tomar as providências necessárias ao seu cumprimento e adaptar a sua legislação interna aos direitos e garantias nela assegurados e protegidos.
O governo brasileiro até agora não adaptou a Constituição aos termos desse instrumento internacional de proteção. Está inadimplente.
Digam os juízes se continuam a dar prioridade aos direitos patrimoniais de bancos e instituições financeiras, mandando prender parcela do seu povo, ou se pretendem interditar um Brasil incapaz de cumprir com as suas obrigações.

Texto Anterior: O que é arbitragem
Próximo Texto: Intolerância e violência
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.