São Paulo, sábado, 23 de novembro de 1996
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Bomba de Feynman explode nos cinemas e as livrarias

MARCELO REZENDE
DA REPORTAGEM LOCAL

Qual a razão de existir hoje um movimento nos EUA que leva todos os americanos a lamberem o rosto de um físico nuclear, responsável pela criação da bomba atômica? A resposta, nos EUA, parece clara: porque seu nome é Richard Feynman.
A idéia das línguas no rosto de um cientista tem origem nos campus americanos. Desde o início do ano há uma campanha para que Feynman se transforme em um selo oficial. "Coloque Feynman nos lábios da América", diz o slogan.
E há ainda o cinema. No dia 4 de outubro, os EUA receberam "Infinity", primeiro filme do ator Matthew Broderick na direção, que traz em seu enredo a juventude de Feynman, uma paixão avassaladora, átomos e morte.
Broderick estréia na direção. Mas o físico, professor no Rio nos anos 50 e ganhador do Prêmio Nobel em 1965, não é pela primeira vez personagem.
Em março do próximo ano a editora Nal/Dutton, em Nova York (e a Viking, em Londres), lança no mercado "Richard Feynman: A Life in Science" (uma vida na ciência), biografia de John e Mary Gribbin, que tenta -como mostra o trecho publicado nesta página- dar conta de seu "exotismo".
Quem foi Richard Feynman? E de que maneira se transformou em ícone da cultura pop, com a possibilidade de dividir espaço, nas correspondências, com as faces de Elvis Presley ou Marilyn Monroe?
Oito anos após sua morte, e 11 livros depois (entre biografias, ensaios, estudos ou aulas), a resposta ainda é um pouco vaga.
Feynman foi um dos últimos cientistas neste século a oferecer à mídia do mundo o espetáculo do gênio excêntrico, barroco em seu excesso e rigorosamente surpreendente em suas ações.
Sua trajetória é o que imediatamente se espera de um gênio. Nascido em Nova York em maio de 1918, apaixonou-se, desde a infância, pelos rádios quebrados, que depois de um reparo feito pelo pequeno Feynman pareciam novos.
Em 1939, se forma em física pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (o celebrado MIT) para, em seguida, tornar-se PhD pela Universidade de Princeton.
O ano era 1942, os EUA já haviam entrado na Segunda Guerra Mundial e preparavam uma arma capaz de garantir a vitória. Feynman entra na história quando a história entra na era atômica.
Foram três anos trabalhando ao lado dos cientistas Albert Einstein e J. Robert Openheimer no Projeto Manhattan, no deserto de Los Alamos, para desenvolver a bomba que usaria "a energia".
As primeiras anedotas nascem desse momento. Uma delas é sobre como convenceu Einstein a se juntar a ele para decifrar a combinação dos cofres onde eram guardadas as fórmulas da nova arma. A brincadeira, todas as noites, era ridicularizar a segurança oficial.
E, entre um cálculo e outro, passava seu tempo em bares de striptease, pintando ou tocando por horas seu bongô.
Esse é o período escolhido para ser retratado "Infinity", ainda sem data de exibição no Brasil. Feynman constrói uma arma e mergulha em pesquisas no mesmo instante em que sua mulher, Arline -interpretada por Patricia Arquette-, morria de tuberculose.
Feynman, em textos autobiográficos, revela que jamais esqueceu Arline. Isso apesar de ter tentado, no testemunho de físicos brasileiros, com uma mulata, desfiles de blocos de Carnaval e horas de meditação nas areias de Copacabana.
Sua última grande aparição foi em 1986, quando a pedido do governo norte-americano se juntou à equipe de cientistas que procuravam uma explicação para a explosão do ônibus espacial Challenger em pleno ar.
Foi ele quem terminou descobrindo o defeito da nave, utilizando apenas um pedaço de borracha e um copo de água gelada. Durante alguns minutos, na demonstração da tese, seus colegas de pesquisa imaginaram que se tratava de mais um de seus atos inusitados.
Feynman parece ter percebido que tanto um mágico charlatão quanto um cientista necessitam de uma grande performance para ganhar a confiança de alguém.

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