São Paulo, sábado, 23 de novembro de 1996
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NÃO FOI O CHUCHU

O risco de incorrer em déficits externos excessivamente elevados é detonar um tipo de profecia auto-realizável segundo a qual o temor de uma corrida financeira provoque de fato a fuga de capitais. Está aí a origem dos "limites psicológicos" nos quais economistas acreditam e que, não sem razão, parecem aos não-economistas originar-se, se não de crenças místicas, ao menos de convenções socialmente produzidas.
A importância da notícia de que o déficit externo em conta corrente (que inclui a balança comercial e a balança de serviços) está muito próximo do "limite" de 3% do PIB é que ela oferece um parâmetro, de aceitação ampla, para avaliar as políticas cambial e de comércio exterior.
Não existe teoria ou estudo empírico que permita estabelecer, de maneira definitiva e precisa, qual o déficit máximo além do qual o mercado se recusaria a financiar as contas externas do Brasil. Mas, numa escala qualitativa, esse número é um sinal amarelo, um aviso de atenção.
Em vez de fixar-se no saldo cambial de cada mês ou discutir se foi o petróleo ou o chuchu que provocou certo aumento de importações, o significativo déficit em conta corrente acumulado ao longo dos dez primeiros meses deste ano corrobora, de maneira geral, a noção de que o Brasil está em uma trajetória delicada do ponto de vista das contas externas.
Se não fosse a recente alteração metodológica que elevou o valor em dólares do PIB (Produto Interno Bruto), o déficit teria sido de 3,4% do PIB, em vez dos 2,9% registrados.
Como apontou o economista Paulo Nogueira Batista Jr. em seu artigo desta quinta-feira, tais porcentagens tendem a subestimar o peso do déficit externo, na medida em que a valorização cambial eleva artificialmente o PIB em dólares. A medida do déficit externo como proporção das exportações (fonte, em última instância, das divisas que lastreiam o financiamento externo) também mostra deterioração. Essa proporção passou de 4% em 94 para 38% em 95 e aproximadamente 45% em 96.
Não estão à vista riscos iminentes na área externa. Mas existe hoje uma trajetória complicada, que não se explica caso a caso, e não convém a ninguém subestimar.

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