São Paulo, domingo, 24 de novembro de 1996
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Veto na ONU expõe isolamento dos EUA

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
DE WASHINGTON

Na Cidade do Vaticano, o papa João Paulo 2º recebeu Fidel Castro e acertou uma visita a Cuba no ano que vem. Nas Nações Unidas, o veto solitário dos EUA impediu que o Conselho de Segurança recomendasse por unanimidade a reeleição de Boutros Boutros-Ghali com secretário-geral da organização.
Estes dois episódios na semana passada expressaram com vigor um fato político que poderá marcar o final do século: o crescente isolamento dos EUA na comunidade internacional. Em vez de se isolarem por rejeitar o mundo, os norte-americanos correm o risco de ficarem isolados pela rejeição dos demais países.
Leis extraterritoriais, que punem empresas estrangeiras por investimentos que façam em países malditos por Washington, como Cuba, Líbia e Irã, tendem a receber repúdio cada vez mais intenso de tradicionais aliados dos EUA.
Grandes empresas do Canadá, da França, da Alemanha, da Espanha têm negócios com alguns desses três países que os EUA tentam prescrever do mapa. Não parecem dispostas a abrir mão deles só por causa das conveniências eleitorais dos políticos norte-americanos.
A obsessão dos EUA com Cuba e o anacronismo da sua posição contra Fidel Castro ficaram mais evidentes do que nunca depois de a própria Igreja Católica ter demonstrado sua disposição em reconhecer a realidade cubana e em trabalhar com ela.
A hipocrisia dos argumento dos EUA de que não é possível fazer negócios com Cuba porque o governo cubano desrespeita os direitos humanos é ainda mais realçada pelo ostensivo esforço de Bill Clinton para agradar os governantes da China, que desrespeitam os direitos humanos em seu país muito mais do que Castro em Cuba.
O episódio da eleição na ONU é outro exemplo de como a administração Clinton não teme colocar seu país em risco de isolamento apenas para satisfazer suas necessidades eleitorais imediatas.
Clinton anunciou que vetaria a reeleição de Boutros-Ghali meses antes de o processo sucessório na ONU ter se iniciado, como forma de esvaziar uma possível arma da oposição na campanha presidencial: explorar a impopularidade do secretário-geral provocada pelos vexames militares a que os EUA se submeteram na Somália.
Boutros-Ghali virou o bode expiatório das derrotas que soldados norte-americanos sofreram nas ruas da Somália, embora a ONU não tivesse nada a ver com eles. Apesar de o secretário-geral ser o preferido da imensa maioria dos países membros da organização, os EUA vão exercer seu direito de veto e podem colocar a entidade em virtual estado de paralisia se a Rússia cumprir sua ameaça de também exercer o seu direito de veto contra qualquer candidato que não seja Boutros-Ghali.
Os EUA são, por sinal, o maior devedor da ONU. Sua dívida acumulada, de US$ 1,7 bilhão, corresponde a mais do que um ano inteiro de orçamento da entidade. Uma das acusações que os EUA fazem a Boutros-Ghali é que ele não consegue reformar a estrutura da ONU, considerada dispendiosa e ultrapassada, apesar de os custos anuais da organização, que os EUA não ajudam a pagar, corresponderem a 25% dos da capital norte-americana, Washington.

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