São Paulo, domingo, 24 de novembro de 1996
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O útil ao agradável

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

Demitir empregados é o ato mais doloroso para quem os emprega. Os governantes brasileiros se acostumaram a apenas empregar. A administração pública e as empresas estatais responderam por grande parte dos empregos na época das vacas gordas, quando se podia passar todas as ineficiências do setor público para o resto da sociedade.
Mas, hoje, a globalização e competição cerrada estão impondo um enxugamento brutal dos quadros de pessoal das empresas e dos governos. Segundo os dados do Ministério da Administração e Reforma do Estado, há 320 mil funcionários potencialmente dispensáveis, só no nível federal. É uma cifra fantástica.
Para quem despede e para quem é despedido o problema se torna menos dramático quando a despedida é negociada. O Programa de Desligamento Voluntário (PDV), lançado há dias pelo governo federal, visa o desligamento de aproximadamente 32 mil funcionários de forma negociada. Isso será feito mediante uma gratificação.
A gratificação é uma maneira de atenuar os problemas da dispensa. Ela será proporcional ao tempo de serviço. Quanto mais tempo, maior é a gratificação. Quem tem mais de 14 anos de serviço receberá um adicional de 25% (além da gratificação) e os que optarem pelo PDV até dia 5 de dezembro receberão outros 25%.
Uma boa parcela dos funcionários dispensáveis ganha cerca de R$ 1.500 por mês. Pelos meus cálculos, uma pessoa nessas condições, recebendo os acréscimos acima mencionados, conseguirá uma indenização de quase R$ 40 mil.
É claro que isso não é nenhuma fortuna. Mas, para os que se dispõem a abrir um negócio ou trabalhar por conta própria, o governo federal acaba de conceder um grande incentivo às micro e pequenas empresas: elas estarão livres da hilariante burocracia tributária e gozarão de um grande desconto em quase todos os impostos.
Se todos os 32 mil funcionários vierem a se demitir até o fim do ano, o governo gastará cerca de R$ 1 bilhão. A pergunta que se faz é a seguinte: vale a pena gastar todo esse dinheiro com dispensa de pessoal?
Essa pergunta se assemelha à que foi feita por um general ao capitão: "Por que você não disparou os canhões na hora programada?". A resposta foi a seguinte:
"Por várias razões, general. A primeira é porque os canhões estavam sem pólvora...".
Nesse ponto o general interrompeu dizendo: "Não precisa enunciar as outras".
Essa é a situação do governo. Os cofres quebraram, e o dinheiro acabou. Sobraram apenas algumas promissórias vencidas e sem avalista.
O PDV pode ser encarado como uma necessidade do governo e uma solução humanizada pelas medidas indenizatórias.
Ainda assim, o governo terá de tomar muito cuidado. Para realizar as missões dos tempos modernos, os órgãos públicos precisam de bons talentos, como a grande massa de funcionários competentes e dedicados que ainda remanescem nas posições-chave. Oxalá essas dispensas se transformem num bom começo de vida nova que aproveite os benefícios para começar uma nova empresa e gerar mais empregos.

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