São Paulo, segunda-feira, 25 de novembro de 1996
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Missões podem voltar a aldeias indígenas

ABNOR GONDIM
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A Funai (Fundação Nacional do Índio) quer rever as restrições à presença de missões religiosas em aldeias indígenas.
O assunto será debatido em Brasília, hoje e amanhã, durante um seminário que está sendo organizado pela própria fundação.
A Funai quer reformular a instrução normativa número 2, de 1994, que vetou o ingresso de novas missões religiosas.
Além disso, a instrução impediu "a utilização de materiais bilíngues para a veiculação de textos bíblicos na área indígena".
"Essa instrução normativa é policialesca e deve ser totalmente revista", afirma o presidente da Funai, Júlio Gaiger.
A iniciativa do seminário gerou protestos de pesquisadores ligados à questão indígena e contrários à ação desenvolvida pelas missões religiosas.
Em síntese, eles dizem que toda e qualquer pregação evangélica funciona como uma agressão à cultura nativa dos índios.
Os pesquisadores temem que, na prática, a Funai reabra as aldeias às instituições religiosas e transfira suas responsabilidades sobre as sociedades indígenas nas áreas de educação e saúde.
"Não se pode substituir a assistência devida pelo Estado às populações indígenas por uma ajuda humanitária condicionada à aceitação de práticas religiosas", afirma documento elaborado pela Anpocs (Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Ciências Sociais).
Manipulação
A própria Funai reconhece -em documentos preparados pelos seus técnicos para o seminário- que não tem controle sobre as atividades desenvolvidas por 38 missões religiosas que atuam em 130 aldeias indígenas.
Um relatório da antropóloga Dominique Galois, por exemplo, conta que os índios waiãpi, do Amapá, eram manipulados pelos missionários da missão Novas Tribos do Brasil e do Instituto Internacional de Linguística (SIL).
"Os waiãpi constataram a progressiva inoperância da Funai e a crescente abundância material das missões", afirma a antropóloga.
Segundo ela, as ações dos missionários religiosos visam deformar o pensamento religioso dos índios para permitir que eles sofram manipulação ideológica.
"O objetivo final das missões evangélicas é a conversão dos 'últimos selvagens'. A dominação ideológica passa de fato pela dominação econômica: a criação de dependências e a conversão pelo exemplo", analisa Galois.
Vistos
Representando as instituições evangélicas, o diretor de Relações Públicas do SIL, Paul Mullen, solicitou estudos da Funai para concessão e prorrogação de vistos de permanência aos missionários.
Em julho passado, foi criado o Conselho das Missões Evangélicas que atuam em Áreas Indígenas, com a participação de 15 instituições religiosas.
"As instituições evangélicas entendem que têm o direito de propagar as suas convicções religiosas. A propagação, no entanto, não implica qualquer imposição de credo", afirma documento divulgado pelo conselho.

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