São Paulo, segunda-feira, 25 de novembro de 1996
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O Ballet Kirov

JOÃO SAYAD

Está muito difícil fazer previsões. Os déficits comerciais de outubro e novembro deixaram muitas dúvidas. Diferentes analistas mudaram a argumentação. Somente os que defendem a desvalorização permanecem firmes na mesma posição.
O mercado financeiro perdeu a obsessão por reformas.
Um banco de rede americano afirma que Malásia, Filipinas e outros países do Sudeste Asiático tiveram déficits em conta corrente muito maiores e por prazo muito mais longo do que os nossos. Que o México teve problemas por causa da crise política e da fragilidade do seu sistema financeiro, o que não é o caso do Brasil. O bom comportamento mexicano em termos de déficit público não foi mencionado. De qualquer forma, não há razão para alarme sobre o déficit comercial brasileiro.
O relatório de um grande banco de investimento americano explica que déficit público não tem nada a ver com déficit em conta corrente, ou seja, que um país pode exportar mais ou importar menos independentemente do número de funcionários públicos que tem. Apresenta tabela ilustrativa com déficits públicos brasileiros de diversos anos acompanhados de imensos superávits em conta corrente.
Argumenta que o governo tem tido superávits primários e que, portanto, o problema são os pagamentos de juros. Reforma fiscal, diminuição do tamanho do Estado deixam de ser obsessões no mercado financeiro.
Banqueiros do Rio afirmam que não há por que se preocupar.
Mas o que iríamos exportar no futuro? Supõem como teóricos de macroeconomia que o país tem um produto único, que pode ser exportado, importado, consumido ou investido. O PNB é uma espécie de geléia.
Como os EUA ou como a França, quando for necessário e quando aumentar nossa produtividade, exportaremos as mesmas coisas que hoje estamos consumindo internamente: roupas, alimentos, aço etc.
Não há necessidade de investimentos em exportação como antes, quando se investia em fábricas de suco de laranja, soja, toalhas, papel, petroquímica ou aço. Daqui para a frente, podemos exportar ou importar as mesmas coisas, dependendo das necessidades. Basta esperar pelo aumento de produtividade. Para os bancos do Rio, os pessimistas são industriais de São Paulo.
O governo apresenta pesquisas do IBGE que mostram que a massa salarial cresce rapidamente quando se considera o mercado formal (que recolhe INSS) e o mercado informal (que não recolhe nada, nem INSS). São novas relações de emprego.
A reforma da Previdência deixa de ser urgente já que muitos não pagam mais nada.
O otimismo das visões acima foi maculado por outras notícias.
O Ibef fez pesquisa e concluiu que a maior parte dos investimentos que ocorreram no país em 1996 foram fusões e aquisições. Ou seja: os investimentos diretos que compõem uma parte importante do capital que ingressa no país se concentram na compra de empresas nacionais.
Estamos vendendo numerosas empresas brasileiras que pagam juros altos e enfrentam concorrência externa exagerada por causa do câmbio sobrevalorizado.
Se a estatística estiver certa, o influxo de capital sob a rubrica de investimento direto não é investimento, como imaginamos, mas simplesmente transferência de propriedade. Estamos confundindo fusões e aquisições com ampliação de capacidade produtiva. Esses conceitos de investimento, poupança e déficit só criam confusões.
O governo afirma que não muda o câmbio para resolver o déficit comercial. É muito melhor esperar o aumento de produtividade e a redução do salário nominal (inclusive pelo não-pagamento do INSS) para exportar mais do que mexer no câmbio.
Difícil tirar qualquer conclusão: será que o déficit comercial será resolvido no futuro sem nenhuma alteração de política? Será que o emprego e a produção estão aumentando?
Esta dança de idéias e tantas dúvidas me deram saudades das lindas bailarinas do balé Kirov que estiveram aqui em São Paulo um mês atrás.
Dançam graciosamente, dão pulos em que parecem voar, caem graciosa e precisamente nas mãos dos seus pares bailarinos. Atravessam o palco na ponta dos pés, com "tutus" tremulando.
As bailarinas não existem. Aquelas lindas dançarinas frágeis, leves e graciosas são na realidade mulheres tenazes, rigorosas e perfeccionistas que treinam até oito horas por dia. Pisam com muita firmeza no chão para conseguir aquela aparente leveza.
O corpo de bailarinos do Kirov é complementado por três massagistas que o acompanha em todas as viagens, tão grandes são as dores causadas por movimentos aparentemente tão suaves.
É mais ou menos a mesma coisa que a política econômica está exigindo das empresas brasileiras. Juro alto, câmbio baixo, ausência de política industrial, falta de investimento em tecnologia, mas muita produtividade e muita graça ao competir com os estrangeiros.
O balé Kirov está ameaçado de extinção por falta de apoio. As empresas brasileiras também.

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