São Paulo, segunda-feira, 25 de novembro de 1996
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O Brasil vai dar certo

RONALDO MOTA SARDENBERG; EDMUNDO SUSSUMU FUJITA

Diagnósticos negativos derivam muitas vezes de apreciações algo ideologizadas
RONALDO MOTA SARDENBERG
e EDMUNDO SUSSUMU FUJITA
Com a aproximação do final do século, tornaram-se frequentes as análises acerca do futuro do Brasil. No mais das vezes, procura-se avaliar se o país "dará certo ou não" nas décadas entrantes. Com base em percepções do passado, temos, de um lado, prognósticos nebulosos para nossa inserção internacional nos cenários mundiais de polaridades indefinidas no começo do século 21 e, de outro, diagnósticos sombrios sobre disfunções nacionais, verdadeiras ou presumíveis, que são mecanicamente projetadas para adiante, como se não pudessem ser corrigidas.
Muitos desses cenários se baseiam em construções de modelos razoavelmente previsíveis, onde se cruzam de forma matricial os processos antinômicos de globalização e fragmentação com as interações dos Estados, em posturas de conflito ou cooperação. Os diagnósticos negativos derivam muitas vezes de apreciações algo ideologizadas sobre a validade e, mesmo, a viabilidade de políticas, pró-ativas ou não, diante das forças do livre mercado.
Com frequência, as alegações de que o Brasil não vai "dar certo" se baseiam em posturas apaixonadas. Para uma consideração objetiva das perspectivas do país, caberia uma tríplice operação intelectual: formulação de uma variedade de hipóteses, modelos e cenários, que permita colocar em perspectiva as visões tanto ufanistas quanto catastrofistas; postura de independência e autoconfiança da parte dos analistas, resistindo a modismos externos e promocionalismos internos; e cautela com dados impressionistas ou imediatistas que se prestam à retórica do debate cotidiano, mas não à análise prospectiva.
Os caminhos para a inserção do Brasil em cenários prováveis para o próximo século já vêm sendo objeto de cuidadosos estudos. O presidente Fernando Henrique Cardoso recentemente afirmou ser necessário "traçar os rumos básicos do futuro comum do Brasil no século 21. (...) É com esse enfoque objetivo que o governo organiza os atuais esforços para a formulação de um projeto nacional de longo prazo".
E acrescentou: "Estou convencido ser muito positivo que já tenhamos desencadeado um processo de preparação de cenários alternativos, com vistas ao ano 2020, os quais servirão de referência para a inserção brasileira a longo prazo na ordem política e econômica internacional. Assim que estejam suficientemente adiantados os trabalhos, serão esses cenários submetidos ao crivo da discussão democrática".
Atendendo a essa orientação, a SAE vem promovendo consultas junto aos meios governamentais e acadêmicos, numa primeira etapa, com vistas a levantar insumos técnicos para a montagem de cenários nacionais de amplo espectro. Os trabalhos têm procurado analisar as tendências nas dimensões econômica, social, político-institucional, cultural, ambiental, espacial e científico-tecnológica, contra um pano de fundo mundial de globalização, regionalização e fragmentação.
Alguns dos chamados cenários exploratórios sob consideração irão provavelmente refletir os seguintes processos: a) um crescimento econômico assimétrico, com a persistência e até acirramento do processo de exclusão social; b) um distributivismo compensatório, com crescimento econômico lento, estagnação ou até reversão do processo de desenvolvimento; c) um desenvolvimento sustentável, com redução da exclusão social e fortalecimento de uma ética de solidariedade nacional; d) uma retomada do processo hiperinflacionário, com regressão econômica e decomposição do tecido social, levando à prevalência das forças da fragmentação.
A partir dessas hipóteses, seria possível formular cenários e hierarquizá-los de acordo com seu grau de probabilidade. A realidade em 2005/2020 será certamente tão ou mais complexa que a atual. Sua composição, entretanto, poderá ser condicionada por fatores e elementos já em existência.
Bastaria lembrar que já estão entre nós as gerações que moldarão o país nos anos 2005 e 2020. Se considerarmos que a faixa etária média das lideranças políticas, sociais ou acadêmicas, se situa entre 40 e 60 anos de idade, constataremos que muitos dos líderes do ano 2005 terão nascido, principalmente, entre aos anos 1945 e 1965, e os do anos 2020, entre 1960 e 1980.
Graças à consolidação da democracia e à estabilização da economia, temos meios e condições sociais para pensar o futuro. Assim que os trabalhos de cenarização estejam suficientemente adiantados, serão submetidos à sociedade, para buscar a conformação de uma agenda nacional em bases idealmente consensuais.
Dos mais diversos setores da sociedade chegam exortações para a elaboração de um projeto nacional consistente de desenvolvimento a longo prazo. Não seria esse um retorno a um dirigismo estatal ou à imposição de visões tecnocráticas sobre a sociedade civil com base em modelos superados. Resultaria, na realidade, de uma ampla discussão democrática e não-excludente, da qual emergiriam visões abrangentes e um ideário mobilizador que nos permita rumar resolutamente do país que somos para o que desejamos ser.

Ronaldo Mota Sardenberg, 55, é secretário de Assuntos Estratégicos da Presidência da República.

Edmundo Sussumu Fujita, 46, é subsecretário de análise e avaliação da SAE.

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