São Paulo, terça-feira, 26 de novembro de 1996
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Fazenda investiga TDAs

CELSO PINTO

O Ministério da Fazenda decidiu suspender por tempo indeterminado o pagamento dos Títulos da Dívida Agrária (TDAs) e instaurar uma comissão de sindicância para investigar o vazamento de informações privilegiadas.
Como esta coluna informou no domingo, há indícios de que "insiders" sabiam com antecipação que o governo iria consolidar os TDAs, o que valorizaria em muito o papel. A decisão foi incluída na medida provisória da reforma agrária, baixada semana passada.
Nos últimos 45 dias, como havia dito o deputado Delfim Netto à coluna, os TDAs não-registrados na Central de Custódia e de Liquidação Financeira de Títulos, a Cetip, foram intensamente negociados e sua cotação subiu de 35% para 45%. Ontem, Delfim disse que a decisão de suspender o pagamento "é um recuo que engrandece o governo".
Rumores sobre especulação com TDAs corriam o mercado e o Congresso desde a divulgação da MP, terça-feira, envolvendo congressistas e bancos como beneficiários. Sexta-feira de manhã, o ministro-interino da Fazenda, Pedro Parente, decidiu numa reunião instaurar uma comissão de inquérito e suspender o pagamento. Quando o mercado soube dessas decisões, ontem de manhã, paralisou os negócios com TDAs.
A comissão de sindicância é formada pelo procurador da Fazenda, Luiz Carlos Sturzenegger, o chefe do Departamento de Normas do Banco Central, Sérgio Darcy Alves, e o diretor-financeiro do Banco do Brasil, Carlos Gilberto Caetano. A comissão é de peso, mas investigações desse tipo são sempre difíceis. A idéia é rastrear as operações de compra e venda de TDAs nas últimas semanas e como circulou a informação sobre a MP. Um diretor do Banco Central acha que em 30 dias haverá resultados.
A reação imediata da Fazenda merece aplausos, mas há dúvidas sobre o alcance de suas ações. A MP entrou em vigor na quarta-feira passada e determina que todos os possuidores de TDAs, vencidos ou a vencer, podem registrá-los na Cetip e trocá-los por TDAs "Série E", com direito a receber 10% do valor no primeiro mês e o restante em seis anos, com juros de 6% ao ano, além da Taxa de Referência (TR).
Esse direito está consolidado na MP e uma portaria da Fazenda não tem poderes de anulá-lo. O que a Fazenda fez foi determinar ao Tesouro para suspender, por tempo indeterminado, o pagamento de TDAs, enquanto se apuram os fatos. Na própria Fazenda admite-se que há espaço para recursos legais contra essa determinação.
Existem duas dimensões políticas complicadas nesse episódio. Uma é o fato de os rumores envolverem parlamentares, alguns de partidos aliados do governo. Outra é que a confusão com os TDAs pode complicar a tramitação da MP da reforma agrária, embora o ministro Raul Jungman ache que ela será aprovada.
A partir do momento em que os rumores começaram a se alastrar, se o governo não fizesse nada, ficaria sob a suspeita de conivência. Ao instaurar a comissão, deu pasto aos adversários da MP.
Muitos estranharam o fato de a Fazenda ter incluído a consolidação dos TDAs na medida da reforma agrária, algo decidido pouco antes da sua edição. Mais estranho ainda foi a consolidação ter incluído um pagamento em dinheiro, imediato, de 10% do valor, um prêmio não incluído na consolidação de outras dívidas federais, como o FCVS.
A explicação da Fazenda é que a intenção era resgatar a credibilidade do processo de reforma agrária e isso só seria possível se o governo reconhecesse toda a dívida dos TDAs, títulos usados para pagar desapropriações para reforma agrária. Por essa razão, Jungman, consultado, foi a favor. Os 10% teriam sido um estímulo extra para a troca de TDAs.
O fato é que, do total nominal de R$ 1,6 bilhão estimado de TDAs, uma enorme parte esteve envolvida em controvérsias. Todo o mercado sabe que existe uma quantidade não definida de TDAs falsas circulando e existem inúmeras histórias obscuras relacionadas a desapropriações passadas.
Uma ironia do episódio: se a proposta do empresário Olacyr de Moraes de vender suas terras em troca de R$ 600 milhões em TDAs tivesse sido aceita, ele teria feito um excelente negócio.

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