São Paulo, terça-feira, 26 de novembro de 1996
Próximo Texto | Índice

TERRA DE ESPERTOS

O momento é politicamente delicado e economicamente difícil. Hoje, o desafio de governar com austeridade absoluta e indiscutível seriedade é até maior que o habitual, tamanhos os conflitos de interesse envolvidos e os sacrifícios já suportados por empresários e trabalhadores.
Nesse contexto, é ainda mais inaceitável o episódio da valorização suspeita dos TDAs (Títulos da Dívida Agrária), moedas podres que ressuscitaram às vésperas do anúncio, pelo governo, de uma nova política (fixada por meio de medida provisória) de pagamento desses papéis. A decisão do governo de instaurar uma sindicância interna para apurar vazamento de informações não basta. É essencial que tal investigação seja transparente e não seja engavetada, como ocorreu no passado.
Do ponto de vista da sua política financeira, o governo vem aos poucos procedendo ao que se conhece como reforma patrimonial e ganhou o apelido de "tirar os esqueletos do armário". Do rombo do Banco do Brasil à transferência ao Tesouro dos passivos da RFFSA, passando pela renegociação de dívidas estaduais e pela gradual reestruturação do FCVS, o governo abriu várias frentes. O denominador comum é a revisão de dívidas públicas, um passo necessário e inadiável numa ampla reforma das finanças públicas.
O governo, entretanto, em nenhum momento enunciou um programa de reforma patrimonial. Ele acontece aos poucos, muitas vezes por meio de medidas administrativas, circulares internas, medidas provisórias. Como, ao menos em parte, trata-se de passivos internos ao setor público, o processo avança com pouca ou nenhuma discussão pública.
Entretanto, quando se trata de alterar as condições de valorização de ativos que circulam pelo mercado, a questão rapidamente deixa de ser meramente contábil. Centenas de milhões de reais em direitos sobre passivos do governo estão em jogo.
Que o Tesouro assuma os custos da crise bancária, aceita-se. Que o saneamento do Banco do Brasil tenha alguma justificativa social, vá lá. Mas a sociedade brasileira não pode, sob hipótese alguma, premiar mais uma vez a "esperteza" suspeita de meia dúzia de privilegiados.

Próximo Texto: O BRASIL NA ÁFRICA
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.