São Paulo, terça-feira, 26 de novembro de 1996
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País-alfândega

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Nada entendendo de economia e finanças, como simples consumidor tenho meus truques para saber se as coisas estão indo bem ou mal. Um desses truques é me orientar pela taxa do dólar. Desde Cabral que nosso dinheiro é alguma coisa em função de moeda que os comunistas antigamente xingavam de "alienígena".
Já foram os dobrões, as patacas, os escudos, a libra esterlina. Desde que me entendo como gente é o dólar. Nos últimos meses, o real começou a cair no paralelo, pouquinho, é verdade, policiado pelas bandas que até agora estão funcionando no varejo, mas não dão para esconder a tendência ao abismo.
É sensível esse início de aviltamento do real no mercado que aqui chamamos de "paralelo" e, em Portugal, de "anormal". Não tenho saco suficiente para ler os economistas que explicam a situação ou nada explicam. Muito menos os políticos que geralmente, como eu, pouco entendem desses babados.
O argumento brandido pelo pessoal do governo e seus acólitos é meio simplório: o Brasil mantém um sólido lastro de divisas fortes. Justamente aí é que fica o meu espanto: se há esse lastro sólido de moedas fortes, por que o real vem caindo diariamente, embora protegido pelo pára-quedas das bandas?
Paradoxalmente, desde o seu início o real tem alguma coisa de irreal. Disparado, é o cabo eleitoral mais eficiente do esquema de poder que sustenta o atual governo, dando-lhe gordura até mesmo para tentar a continuidade. Mas a irrealidade do real a cada dia mostra que o preço pela mágica um dia será cobrado.
Já não falo do desemprego em massa -que tem alguma coisa a ver com o problema. As diferenças entre o valor das exportações com o das importações, crescendo a cada 30 dias, dão para questionar a política do governo em vários setores.
Mais cedo ou mais tarde, regrediremos ao estágio de país-alfândega, um bafio colonial disfarçado em globalização.

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