São Paulo, terça-feira, 26 de novembro de 1996
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O telefone clandestino

ELVIRA LOBATO

Semana passada, durante um seminário sobre o uso de centrais telefônicas em condomínios, realizado em São Paulo, veio à tona um dado surpreendente: pelo menos 250 mil famílias da Grande São Paulo têm telefone clandestino em casa.
Isso mesmo. Existe uma rede clandestina com pelo menos 25 mil pequenas centrais telefônicas que levam o serviço às famílias pobres de favelas e bairros de periferia. Nesses lugares, telefone não é um bem supérfluo, mas um item fundamental de segurança e, em muitos casos, de sobrevivência.
Cada central atende a dez casas, como se elas fossem ramais de uma empresa. Os moradores alugam uma linha telefônica no mercado paralelo, puxam a fiação dos postes e instalam a central em uma das residências, a que estiver em posição mais central em relação às demais, para economia de fios.
Os próprios usuários administram o pagamento das contas e o uso coletivo da linha. As centrais de quarteirão, como são chamadas, são ilegais porque só as companhias telefônicas podem passar fios pelas ruas.
As famílias que contratam esse tipo de serviço estão conscientes de que usam um sistema ilegal, mas acham que é melhor correr o risco de ter a linha cortada do que ser assaltado à noite procurando um telefone público.
Ou seja, milhares de famílias são empurradas para essa nova forma de contravenção porque o Estado, em 22 anos de monopólio, não foi capaz de atender a demanda por linhas telefônicas nem mesmo na maior cidade do país.
A existência desses sistemas é uma triste evidência de que o monopólio estatal fracassou naquilo que era sua principal razão de ser: garantir acesso ao serviço a todas as camadas da população, e não somente aos mais ricos.
No início de 94, quando houve uma tentativa de se votar no Congresso o fim do monopólio das telecomunicações -o que só viria a acontecer um ano depois-, as estatais patrocinaram, nos bastidores, uma grande campanha contra a transferência dos serviços para a iniciativa privada.
O mote da campanha, executada pelos telefônicos, era o de que empresas privadas se interessam apenas pelo filé (os ricos) e que só as estatais não abandonam o osso, ou seja, os pobres.
Agora se vê que isso não é verdade. As telefônicas estatais são empresas e, como as demais, priorizam os mercados rentáveis em busca de lucro para remunerar seus acionistas e para novos investimentos. O osso -a periferia pobre de São Paulo- não dá lucro e o capital, seja estatal ou privado, o evita.
De janeiro a setembro deste ano, a Telebrás já lucrou R$ 1,98 bilhão, ou seja, mais do que o dobro do lucro total do ano passado (R$ 810 milhões). O crescimento do lucro já é fruto dos preparativos para a abertura do mercado à competição privada e para a privatização das estatais.
A perspectiva de privatização das estatais brasileiras desperta o apetite de companhias telefônicas do mundo inteiro, inclusive das gigantes estatais européias, que já compraram empresas em outros países da América do Sul, como na Argentina e no Chile.
Muitos alegam que, a se transferir o controle de nossas telefônicas para estatais estrangeiras, melhor seria mantê-las como estatais brasileiras.
Conclusão possível: a venda das empresas para multinacionais não garante que o osso vá ser tratado como filé. Isso só vai acontecer se houver cobrança e fiscalização por parte da sociedade.

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