São Paulo, quarta-feira, 27 de novembro de 1996
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Compras a prazo seduzem mais 13 milhões

JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO
DA REPORTAGEM LOCAL

Eles aparecem sempre que a inflação cai. Chegam, compram e pagam a prestação. Alavancam o comércio, obrigam a indústria a produzir mais, puxam as importações e testam os limites de crédito do sistema financeiro. É o paraíso do consumo.
Mas, se a inflação torna a subir, eles voltam para onde vieram e deixam atrás de si um rastro de inadimplência, crise bancária e recessão. É o inferno econômico.
Os agentes das transformações, para o bem ou para o mal, são os novos consumidores: pessoas de baixa renda que, beneficiadas pelo fim do imposto inflacionário, vêem aumentar de uma hora para outra seu poder de compra.
Esses consumidores emergentes exercem esse poder com voracidade. São anos de demanda reprimida a ser compensados em poucos meses -em geral, o quanto duram os planos de estabilização econômica no Brasil.
"Em 86, a demanda por secador de cabelos subiu 1.000% em nove meses. A de camas subiu 350%. É que as pessoas dormiam no chão", relembra o professor de Teoria Econômica da Unicamp, Luiz Gonzaga Belluzzo, um dos pais do Plano Cruzado.
Na época a expansão de crédito chegou a 40%. "Foi um dos fatores importantes para o fracasso do plano", conta Belluzzo. "Só tínhamos US$ 6 bilhões de reservas", diz. Não havia como financiar um crescimento tão rápido.
Dessa vez, com o Plano Real, as reservas estão em US$ 57,4 bilhões e os preços mantêm-se sob controle já há dois anos e meio.
Tempo suficiente para, segundo o ministro Antonio Kandir (Planejamento), 13 milhões de pessoas terem atravessado a linha da pobreza e entrado no maravilhoso mundo das compras a prazo.
Um dos responsáveis pelo Plano Collor, ele acha que dessa vez as coisas serão diferentes. "Ao contrário das experiências anteriores, há uma sustentabilidade intertemporal maior", afirma.
Para Kandir, essas pessoas são uma base social pró-estabilização. Elas permitiriam ao governo tomar medidas que podem desagradar a políticos, mas que são necessárias ao plano.
O ministro afirma que a redução da pobreza aumenta o mercado interno e, assim, a atração de investimentos externos. "Nos últimos 12 meses, a entrada de capital cresceu de US$ 2 bilhões/ano para US$ 7,5 bilhões/ano", diz.
Czar da economia na época do "milagre", Delfim Netto relativiza as razões para o otimismo de Kandir. "A globalização ajuda a financiar o consumo com capital externo por mais tempo", diz.
Mas, ressalva, esse ciclo de crescimento sempre acaba. "É como uma bolha: aumenta até a primeira dificuldade." Para ele, o que vai furar a bolha é a inadimplência. "Aí o sistema bancário vai ficar com as pernas moles de novo."

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