São Paulo, quarta-feira, 27 de novembro de 1996
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Marca já rivaliza com preço nas compras

JUNIA NOGUEIRA DE SÁ
ESPECIAL PARA A FOLHA

Para usar uma linguagem técnica, o consumidor das classes D e E está saindo do "modelo das aquisições", em que só comprava o indispensável para viver, para o "modelo de imersão no consumo", em que pode realizar seus desejos, adquirir alguns supérfluos e imitar o estilo de vida da classe média.
Nessa nova condição criada pelo Plano Real e pelas facilidades de crédito, ainda que a juros altos, o consumidor emergente passa a decidir suas compras pela marca e não mais pelo preço. Inicia também uma busca por qualidade em vez de ofertas, e aprimora os critérios de avaliação.
É verdade que esse consumidor não pensa nos juros que as prestações trazem embutidos (51% deles olham apenas o valor da prestação a pagar, segundo a pesquisa Almap/BBDO, contra 67% de consumidores das classes A/B que dizem calcular os juros nas compras a prazo). O consumidor emergente só quer saber se seu orçamento comporta o sonho de consumo, antes que ele acabe.
"O que leva esse consumidor às compras é a sensação de que chegou a hora de saciar um desejo acumulado há muito tempo", diz Paulo Mallmann, diretor financeiro do BIC Banco, que fez um estudo do comportamento desse consumidor emergente.
Por falta de crédito, concluiu esse estudo, o brasileiro atravessa longos períodos em que é obrigado a poupar e adiar o consumo. "Em qualquer lugar do mundo, isso só funciona para as classes médias e altas, que não têm necessidades tão urgentes como o consumidor mais pobre", diz Mallmann.
Bem-estar
Pelo estudo do BIC Banco, o déficit de bens de consumo caiu entre os consumidores de baixa renda depois do Plano Real. "Aconteceu o que chamamos de ascensão do padrão de bem-estar", diz Mallmann.
Usando dados do IBGE, o estudo chegou à conclusão de que os domicílios com renda até dois salários mínimos diminuíram de 11,8 milhões em 1993 para 9,3 milhões em 1995. Os com renda inferior a dois mínimos sem TV em cores passaram de 9,6 milhões para 7,2 milhões.
O consumidor dessa faixa de renda até dois mínimos, segue o estudo, pode destinar R$ 20 mensais para pagar uma prestação. Com esse valor, juros de 6% e um prazo de 24 meses, ele compra um aparelho de som ou um fogão. Se fizer um pouco mais de esforço e chegar aos R$ 30 reais mensais, compra uma TV em cores.
A verdadeira explosão, entretanto, aconteceu entre consumidores com renda entre dois e cinco mínimos, que podem gastar até R$ 90 mensais em prestações.
"Esse é o comprador que já pode sofisticar suas opções e entrar no mercado das máquinas de lavar, por exemplo", diz Mallmann. A aposta é que o consumo dentro desse segmento de renda continue crescendo, mas em ritmo menos forte do que o verificado nos dois últimos anos.
Linha branca
Na contramão das opiniões correntes, o estudo do BIC Banco aposta, ainda, que a inadimplência desse consumidor emergente não vai explodir no rastro de seu consumo. "Os números de hoje não são preocupantes. São valores históricos", diz Mallmann.
"Esse consumidor não deixa de pagar e não comete erros de planejamento. Só fica inadimplente se houver um acidente de percurso, como uma morte ou desemprego em família, já que a composição da renda é quase sempre familiar."
O estudo aposta ainda no fato de que, para esse consumidor, o crédito é a única forma de embarcar no mundo do consumo. Por essa razão, ele pode atrasar uma ou mais prestações, mas jamais deixa de pagar quando tem condições.
Segundo o estudo, a explosão de consumo dos dois anos pós-Real se explica pela capacidade de atendimento de uma demanda longamente reprimida, ou seja, consumidores que passaram muito tempo na fila de espera para comprar. "Agora, vamos entrar num ritmo mais moderado de crescimento", diz Mallmann.
Ele aposta que os próximos anos serão marcados pelo crescimento de vendas da chamada linha branca -geladeiras, freezers e máquinas de lavar. As razões seriam fáceis de explicar.
A primeira: quando tem a primeira oportunidade de realizar um sonho, a família prefere uma TV nova a uma geladeira nova. A segunda: os preços nessa linha branca ainda são altos, e há um déficit grande a ser preenchido.

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