São Paulo, quarta-feira, 27 de novembro de 1996
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O grande vilão

ANTONIO DELFIM NETTO

Dois indicadores importantes para julgar as condições de estabilidade no longo prazo de uma economia são: 1) se os déficits públicos prospectivos que produzem o aumento da dívida interna caminham de forma a estabilizá-la com relação ao PIB e 2) se os déficits em conta corrente prospectivos que produzem o aumento da dívida externa caminham para estabilizá-la com relação ao PIB.
É claro que a hipótese implícita em tais condições é a de que a dívida interna e a dívida externa sejam absorvidas no portfolio dos credores dentro de condições normais de financiamento de prazo e juro.
Intuitivamente percebe-se que uma das condições necessárias para que tal aconteça é que a taxa de juro real da dívida seja menor do que a taxa de crescimento real do PIB.
Como sabemos que os investimentos internos só podem ser financiados ou pela poupança nacional (do setor privado mais do governo) ou pela poupança externa (déficit de conta corrente) e que a taxa de investimento com relação ao PIB está ligada à taxa de crescimento do PIB, verificamos que as duas condições não são independentes.
De fato: 1) um déficit do governo só pode ser financiado pela apropriação da poupança interna e/ou da poupança externa; e 2) a soma do investimento com o déficit do governo é necessariamente igual à soma da poupança privada interna mais a poupança externa.
Com o nível de investimento e de poupança interna dados, fica evidente a ligação entre o déficit do governo e o déficit em conta corrente.
Por outro lado, é claro que para acomodar uma dívida crescente no portfolio dos credores eles exigirão maior taxa de juros porque, sendo o portfolio finito, a acomodação se faz deslocando papéis de mesmo rendimento e menor risco.
Esse problema pode ser visto refletido no espelho: para que o déficit público não produza um aumento da demanda global (e, portanto, inflação ou déficit em conta corrente) é preciso que seja cortada uma parte equivalente a ele da demanda do setor privado, ou seja, que se reduza o consumo e/ou o investimento, o que é em geral feito pela constrição do crédito e pelo aumento da taxa de juro.
A acumulação de déficits públicos aparece, assim, como o grande vilão da opereta: eles tornam cada vez menos crível a estabilização da economia.
No fundo, o que os agentes observam é se -mantidas as atuais condições da política econômica- eles podem aceitar como razoável a hipótese de que o valor presente da soma dos déficits do governo no futuro e o valor presente da soma dos déficits em conta corrente futuros serão próximas de zero. Como é evidente, essa condição implica que em algum momento os déficits se transformarão em superávits.
Se isso não acontecer, eles sabem que mais cedo ou mais tarde os credores se recusarão a acrescentar ao seu portfolio os títulos da dívida. Ou ela será monetizada, causando uma inflação, ou ela não será financiada, causando uma crise cambial incapaz de ser controlada apenas com juros altos.
Vista objetivamente, desse ponto de vista, a atual política não é de molde a tranquilizar quem quer que seja.

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