São Paulo, sexta-feira, 29 de novembro de 1996
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'Sem-praia' sobrevivem como penetras

MAURO TAGLIAFERRI

Das 25 unidades federativas do Brasil com representantes do vôlei de praia, 9 não têm litoral, o que força os atletas a apelar para o pavimento endurecido das quadras artificiais de areia em agremiações esportivas
do enviado especial a Brasília
Antônio Conselheiro previu, o vaticínio até virou canção e, antes mesmo de o sertão ser invadido pelo mar, alguns atletas brasileiros se adiantaram a fincar bandeiras onde a natureza, a princípio, não lhes permitiria.
O nome diz tudo, o esporte se chama vôlei de praia. Antes fosse de areia, que é o que muita gente anda jogando, vôlei de areia. Das 25 unidades federativas brasileiras onde a modalidade tem representação, 9 não possuem litoral.
Tudo bem que muitos rios também formam praias, mas o pessoal tem mesmo se virado com quadras de areia montadas pelos clubes.
A dupla Rômulo Lima Ramos, 25, e Jorge Alexandre Costa, 22, atualmente na primeira colocação do ranking da federação de Brasília, é uma legítima "sem-praia".
Desprestigiados pela geografia -a praia mais próxima fica a cerca de 1.600 quilômetros- e pelos arquitetos -os projetistas do lago Paranoá não vislumbraram a possibilidade de delineá-lo com uma orla arenosa-, restou-lhes a opção de invadir os clubes.
Só que os dois brasilienses não são sócios de nenhuma das agremiações com quadras de areia na cidade. A solução foi improvisar, e assim a dupla treina há dois anos e meio.
A tática: nas primeiras vezes, Rômulo e Jorge ingressam no clube junto com amigos, estes sim, sócios. Tornam-se conhecidos da turma da portaria e, então, passam a entrar livremente.
"Somos o pessoal do vôlei para eles", contou Jorge, um analista de sistemas da Universidade Católica de Brasília. "Teoricamente, a gente não tem lugar para treinar", acrescentou Rômulo, formando em direito e auxiliar judiciário no fórum da cidade.
A estratégia só funciona por algum tempo. "O pessoal vai percebendo e veta. Começam a pedir para fazer carteirinha, e aí temos de mudar de clube", lamentou Jorge.
A Associação Atlética Banco Regional de Brasília e a Hípica são as duas agremiações já abandonadas pela dupla. "Jogávamos com colegas que eram diretores dos clubes. Quando eles saíram, ficamos órfãos", lembrou Rômulo. Hoje, treinam na Associação Atlética Banco do Brasil (AABB), de que também não são sócios.
Adaptação
Mesmo passando pelo que considera o melhor momento de sua carreira, a dupla não apresentou bons resultados nas duas etapas de que participou no Circuito Brasileiro de 96. Em Brasília, foi a 12º colocada; em Niterói, nem ficou entre as 16 que vão para a fase final.
Nesta última, aliás, sofreu justamente pela falta de adaptação. "A areia da praia segura mais, porque é mais fofa, você tem dificuldade para alavancar o salto e subir à rede", explicou Rômulo.
A areia das quadras de Brasília, retirada de rios, é dura e, por mais que a camada seja espessa, o chão está sempre próximo.
O vento, mais forte e constante à beira-mar, é outro fator de desequilíbrio. "Nas próximas competições, a gente tem de chegar mais cedo, para se habituar", disse ele.
"Brasília ainda está num nível mais baixo em relação ao resto do país. Nos treinos, a gente consegue criar situações de jogo, mas falta intercâmbio com quem joga em praia", afirmou Elenice Lourenço Felipe, parceira de Leninha em outra dupla brasiliense.
Em termos de incentivo ao esporte, a Federação Brasiliense de Vôlei obteve, junto ao governo do Distrito Federal, a cessão de uma área no Parque da Cidade, onde foram construídas duas quadras de areia para competições.
A cidade, porém, já vive um êxodo de duplas, como Alemão/André, Ernesto/Murilo e Evandro/Harley, que se mudaram para cidades no litoral.
Por compromissos profissionais e falta de recursos -não têm patrocínio, nem técnico-, Rômulo e Jorge contam que, no momento, permanecem em Brasília. Em outras palavras, aguardam a concretização da profecia.
(MT)

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