São Paulo, sábado, 30 de novembro de 1996
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O julgamento a que eu assisti

RENAN LOTUFO

Perplexo com o noticiário em torno do julgamento da Adin nº 1.098-1, pelo STF, quanto aos artigos do regimento interno do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, ocorrido no dia 11 de setembro, aguardei a publicação do acórdão, pois o que ouvi e entendi, no julgamento a que assisti, não conferia.
A Adin tinha por finalidade julgar se os dispositivos do regimento interno do tribunal feriam a Constituição Federal, sendo certo que já havia liminar concedida em parte quanto a alguns dos dispositivos.
O julgamento final, embora com expressão de procedente em parte, em alguns dispositivos anteriormente tidos por inatacados reproduziu aquele julgamento, só que com maior peso, por ter alcançado a unanimidade em quase toda a sua extensão, o que não ocorrera na liminar. O que importa é que a decisão em Adin se impõe a todos.
O relator, ministro Marco Aurélio, fez uma introdução candente, diante do noticiário antecedente, confundindo com julgamento de pedidos de intervenção federal no Estado. Esclareceu que o artigo 100 da Constituição, quanto à atualização dos débitos públicos, teve período de interpretação contrária ao real sentido, ou seja, de que a atualização seria parcial e de que o credor receberia só o valor meramente nominal, aguardando expedição de novo precatório para, no exercício subsequente, receber outra parcela nominal, e assim indefinidamente.
Isso, porém, já era coisa do passado, posto que o Supremo buscou dar operatividade ao texto, com o que, de privilégio para a Fazenda, só restou a iníqua disposição transitória do artigo 33, e assim mesmo para os débitos não-alimentares. Afirmou que já era tempo de não se admitir mais o "calote oficial". Realçou que os administradores da coisa pública deveriam ter deixado de tripudiar sobre os cidadãos, cobrando atualizadamente, aplicando o dinheiro no mercado financeiro, mas pagando só o valor histórico!
O que se decidiu foi que o parágrafo único, do artigo 333, na parte que dispõe quanto aos precatórios de débitos comuns inferiores a 36 mil Unidades Fiscais do Estado de São Paulo, é inconstitucional. A redação que permaneceu não admite a distinção entre os créditos comuns em razão de seu valor, o que afetava o princípio da igualdade entre os credores de mesma natureza.
Quanto ao parágrafo único do artigo 334, a decisão, igualmente unânime, foi pela inconstitucionalidade da expressão "de natureza não-alimentar inferiores a 36 mil Unidades Fiscais do Estado de São Paulo e os". As razões foram as mesmas.
Mas importa salientar que o Supremo afirmou que só pode agir como legislador negativo, ou seja, não pode modificar o texto para atribuir a todos os credores não-alimentares tal direito. Eis que, aí, atuaria como legislador positivo, muito embora todos os seus membros entendessem devesse ser e vir a ser o correto tal atribuição. Daí ter resultado a seguinte redação: "Parágrafo único - O pagamento dos créditos de natureza alimentar serão feitos de uma só vez, devidamente atualizados até a data do efetivo pagamento".
O exame do artigo 336 e seus incisos ensejou discussão maior, envolvendo as informações do tribunal, mas se deu por constitucional a íntegra do artigo, que regula o processamento dos precatórios perante a presidência do Tribunal de Justiça, a ordem cronológica, a atualização monetária e os depósitos a serem feitos com suas anotações.
Quanto ao artigo 337, da competência do presidente do tribunal no processamento dos precatórios, houve a arguição de inconstitucionalidade dos incisos 1º, 2º, 3º, 4º, 6º, 7º e 10º. A decisão foi desmembrada. Os incisos 1º e 10º foram declarados imunes de qualquer vício. Quanto ao inciso 3º, a decisão foi só para excluir qualquer outra interpretação que não a já reiteradamente admitida pelo Supremo, ou seja, de que as correções de cálculo só podem ocorrer por inexatidão material, inadmitindo qualquer atuação sem provocação de parte e fora das hipóteses elencadas.
Igualmente quanto ao inciso 6º, para declarar que a atividade do presidente do tribunal é de natureza administrativa e não prejudica a competência do juízo da execução. Tal qualificação ensejou declaração de voto fundamentado do ministro Celso de Mello, com precedentes seus. Isso, no julgamento, levou o relator a aderir à posição e, fora do voto, dizer que implicava posição unânime do Supremo, com reflexos graves, pois todos os recursos contra decisões relativas aos precatórios não poderiam mais ser conhecidos. Lembrou que pendem de apreciação milhares de recursos da Fazenda do Estado de São Paulo, que passarão a ter tal fim, pois a atividade aí não é jurisdicional, mas administrativa, posto que fiscalização de precatório não é lide (conceito técnico de direito), e, portanto, não há causa a ser apreciada em recurso extraordinário.
Tal decisão é de extrema importância, pois sinalizou que o Supremo, nos recursos interpostos e em tramitação, dará o fim já dado nos precedentes da 2ª Turma, não conhecimento. Porque não cabe recurso extraordinário. O único ataque possível é pela via do mandado de segurança, mas tal remédio só pode ser intentado dentro do prazo decadencial dos 120 dias do ato do presidente do tribunal. Portanto, nos milhares de recursos fazendários, o prazo já se extinguiu há muitos anos.
Quanto ao inciso 7º, a decisão foi de preservação do texto, com restrição à interpretação, para excluir outra interpretação que não a de que a requisição do pagamento a ser feita, no prazo de 90 dias, é para a complementação de depósitos insuficientes, por não atualizados, ou decorrentes de erros materiais, ou de inexatidões de cálculo. Inadmitida, portanto, a fixação do prazo no requisitório original, ou em atividade "ex officio" introduzindo novos índices, exceto se estes foram substitutos fixados por lei nova. Como se vê, o famoso prazo de 90 dias não foi dado por inconstitucional.
Por fim, foi julgada improcedente a ação quanto ao artigo 339.
Claro ficou que o Supremo não decidiu desconstituir qualquer título executivo deste ou daquele credor. Muito pelo contrário, acabou firmando que não irá apreciar questões relativas à aplicação de tal ou qual índice quando suscitadas em nível de precatórios, porque tais decisões não dão causa a recurso extraordinário.
Este foi o julgamento a que eu assisti e que se confirmou no acórdão.

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