São Paulo, terça-feira, 3 de dezembro de 1996
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Como salvar a saúde?

VICENTE AMATO NETO; JACYR PASTERNAK

VICENTE AMATO NETO
JACYR PASTERNAK
A falência do serviço público tem levado os que nele militam a tentativas de arrumar verbas para o custeio, a fim de, pelo menos, manter um mínimo de qualidade.
Curiosamente, no Brasil não há falta de prédios, e até vemos razoável excesso de elefantes brancos, róseos ou de cores variadas, possuindo todos luzidias placas de cobre perpetuando os perpetradores desses monumentos, tendo sido devidamente inaugurados com sensacionais festas e discursos, mas estando grande parte deles subutilizados ou abandonados por falta de material humano.
Equipamentos também existem, em geral de qualidade sofrível, comprados por critérios muito pouco técnicos; além disso, compras são fontes de rendas e comissões, ao longo de muitas décadas.
Porém importante problema diz respeito ao pessoal. Os desgovernos esquecem que saúde é serviço e não fábrica, figurando nele o material humano como a porção mais proeminente.
Aqui, nosso governo é triplamente negligente. Forma profissionais sucateados de origem e não fiscaliza quase nada.
Paga salários ridículos, num estímulo ao absenteísmo, ao "biquismo" e à corrupção. E não tem uma política coerente de saúde, o que hoje é imperdoável, já que contamos com norma muito aceitável, que, decentemente cumprida, daria plano global de atendimento à saúde lógico, coerente e nem por isso caro. Chama-se SUS e, como projeto, insistimos, é bem justo: falta cumpri-lo.
Tememos que tentativas de encontrar soluções alternativas de financiamento levem a problemas ainda maiores. A tentação de atender pacientes particulares ou conveniados no serviço público, em detrimento dos coitados do SUS, é real e poderemos deixar ainda mais difícil o acesso dos que não têm recursos à tecnologia. O manuseio de verbas por pessoas sem treinamento adequado leva a incoerências ou desastres, e o serviço, por lei, não pode ir à falência.
Vale a pena ponderar se a implantação de mecanismos alternativos, como as fundações privadas, são boas soluções. Perigosas tentativas salvadoras vão, é claro, depois pedir socorro no caixa do governo, mas parece que este atende com prazer bancos, e só.
Julgamos essas tentativas compreensíveis; contudo escamoteiam o essencial, que é termos algum tipo de organização racional.
A propósito, voltamos a reclamar da absurda falta de mobilização da sociedade contra essa situação. Por muito menos já ocuparam o Ministério da Fazenda.

Vicente Amato Neto, 67, infectologista, é professor titular do Departamento de Doenças Infecciosas e Parasitárias da Faculdade de Medicina da USP.
Jacyr Pasternak, 53, infectologista, é médico-assistente da Divisão de Clínica e Moléstias Infecciosas e Parasitárias do Hospital das Clínicas da USP.

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