São Paulo, quarta-feira, 4 de dezembro de 1996
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Goldberg vê os "Kids" da América

MARCELO REZENDE
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma linda adolescente, Echo, se apaixona por Tweeky Dave, um garoto tão virgem da vida quanto ela. Conhecerão as drogas, a prostituição e a violência, para, com extrema rapidez, terminarem seus dias "como estrelas de rock". Um deles morrerá.
Exposição itinerante, livro de fotografia documental e radiografia de uma nação de despossuídos, "Raised by Wolves" (criado pelos lobos) é o projeto do fotógrafo americano Jim Goldberg que tem, como propósito, mostrar ao mundo a América social e emocionalmente em queda.
Depois de exibições no Zurich Museum of Design, na Suíça, e The Corcoran Gallery of Art, em Washington, suas fotos serão exibidas, a partir de março do próximo ano, no Los Angeles County Museum of Art. O trabalho foi editado em livro pela Scalo Publishers, uma editora de Nova York.
Ganhador de uma bolsa da fundação Guggenheim em 1985, Goldberg planejava conviver o maior tempo possível com os garotos de rua de San Francisco e Los Angeles, especialmente nos bulevares de Hollywood.
Esperou três anos para iniciar o projeto e encontrar o casal que serviria de fio condutor para que pudesse exemplificar, por meio de cada amigo, diálogo ou bilhete trocado, um universo que sempre pareceu estar distante da classe média de seu país.
Os lobos de Goldberg, em instantâneos, trechos de diários e cenas de brutalidade, são a metáfora para a solidão e a ausência.
São jovens que abandonam suas casas não exatamente pela miséria -um fenômeno tipicamente terceiro-mundista-, mas pelo desejo, tão norte-americano, de levar "uma outra vida", em um lugar onde tudo se assemelha às imagens de filmes de aventura.
As primeiras cenas de Echo que vemos são de sua infância, feita de sorrisos na escola, uma grande árvore de natal e presentes na temporada de festas.
Logo depois, o fotógrafo apresenta as ruas. Imagens em preto-e-branco com rostos de anônimos, os futuros amigos de Echo e também aquele que se tornará seu amante: "Eu sou Dave. Quem diabos é você?".
Vítimas
Goldberg, definitivamente, não procura a resposta. O tom de seu trabalho é assumidamente voyeurístico.
Existe um prazer incontido em poder penetrar no mundo dos jovens, possuidores ainda de uma energia perigosa, sempre a ponto de uma grande explosão. Não há denúncia ou crítica. Há satisfação.
"Eles preferem classificar os garotos de 'vítimas de abuso', 'viciados em drogas', 'criminosos' e 'doentes mentais'. Os garotos, todos os garotos não suportam mais as pessoas tentando mudá-los", afirma.
Assim escreve Echo em uma de suas cartas para Goldberg que, em "Raised by Wolves", não pretende repetir o mesmo erro dos outros adultos.
Seu trabalho se aproxima de "Kids" (o filme) e de seu diretor, Larry Clark (o fotógrafo). E associa a essa influência o novo modelo de fotógrafo de arte. Aquele que é um pouco um artista plástico (por isso a utilização gráfica dos escritos juvenis), ator e personagem da própria obra.
Para Goldberg a palavra "documental" não significa, necessariamente, que a realidade está aprisionada em uma fotografia porque, como costuma repetir em entrevistas, ninguém sabe exatamente o que é realidade.
Sabe apenas que, para um pequeno grupo, ela um pouco mais terrível.

Onde encomendar: Freebook (r. da Consolação, 1.924, tel. 011/256-0577); Livraria Cultura (av. Paulista, 2.073, tel. 011/285-4033).

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