São Paulo, quarta-feira, 4 de dezembro de 1996
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Postura é de cafajeste musical

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REDAÇÃO

Já se vão lá 34 anos de carreira discográfica, e ele continua infalível. É Natal e, como diria José Simão, é hora de peru, ou melhor, de Roberto Carlos.
A capa de "Roberto Carlos" é tão azul quanto as dos últimos 15 "Roberto Carlos". Seu conteúdo é tão romântico quanto os dos cerca de 25 anteriores.
É mais ainda, na verdade. Este é desbragado, de um romantismo levado aos píncaros. Chega a ser triste, até mesmo em músicas de potencial cômico como "Mulher de 40" ou "Cheirosa", duas das melhores faixas.
Sua voz vem mais delicada e elaborada que nunca, colocando a nu que o "Rei" mantém-se um dos grandes intérpretes que este país possui.
Mas o disco trata é de ideologia. O grande cantor brasileiro optou por encarnar figura francamente conservadora, retrógrada -não "antiquada", como define, machista, em "Comandante do Seu Coração".
Roberto Carlos mostra-se extremamente político. Já não há sombra da ingenuidade "antiquada" dos cruciais tempos de jovem guarda (presente em regravação de "Como É Grande o Meu Amor por Você", do antológico disco de 67, hoje roubada de qualquer candura).
Agora, lança canções-recados a mulheres de 40, a balzaquianas cheirosas, a filhas e filhos de Maria (no hino de igreja "O Terço"). Firme em sua opção pela maioria -um fã da voz de Roberto forçosamente tem que passar por cima de coros de igreja, letras carolas/machistas, pieguice-, assume postura de um cafajeste musical.
Lança cantadas mercadológicas a quarentonas romanticonas, seduzindo-as a comprar mais um disco seu, como um autêntico cafajeste, daqueles que falam palavras doces para arrastar uma dama à cama.
Chega a manipulador ideológico, pregando a religiosidade universal ("O Terço") ou uma estúpida bondade humana inerente ("O Bom Homem").
Trata-se apenas de opção pela maioria. Roberto Carlos é hoje demagogo cantor de consenso -é preciso, afinal, manter o público politicamente cego. Assim se desperdiça talento do tamanho de uma montanha.

Disco: Roberto Carlos
Lançamento: Sony
Quanto: R$ 18, em média

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