São Paulo, quinta-feira, 5 de dezembro de 1996
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O "novo" e o "velho" no reinado dos tucanos

ALOYSIO BIONDI

No governo FHC, toda e qualquer análise discordante é logo tachada de "coisa de bocós", incapazes de entender "o novo", isto é, as mudanças e reformas que varrem o mundo e o país. Afinal de contas, o que é realmente "novo" e "velho" no reinado dos tucanos?
* Previdência - olha só que notícia mais simpática: a Previdência vai pagar o 13º salário dos aposentados em dia graças a uma operação especial. Qual?
A Rede Ferroviária Federal devia R$ 1,5 bilhão ao INSS, relativo a contribuições descontadas dos trabalhadores e não repassadas à Previdência. Então, o Tesouro resolveu encampar essa dívida e quitá-la.
Tudo lindo. Tudo tão humanitário. Mas a verdade é outra. Desde que começou a doar a Rede Ferroviária Federal a alguns grupos empresariais, a equipe FHC/BNDES já vinha combinando com os compradores que essa dívida ficaria com o Tesouro. Isto é, seria paga pelo povão e classe média, empresários e trabalhadores.
O que é "velho" nesse caso? O favorecimento a grandes grupos em operações que, no passado, tinham outros nomes (aliás, bem feios).
O que é novo? A capacidade de mentir, manipular a opinião pública. Maquiavel puro.
* Pelé - grande comoção porque o Ministério dos Esportes, do rei Pelé, é acusado de ações fraudulentas praticadas por um de seus braços direitos, o Instituto de Desenvolvimento do Desporto. Contratos sem concorrência, uso de testas-de-ferro e etc. e tal.
Tudo "velho"? Não. É preciso lembrar que, logo nos seus primeiros dias de governo, o presidente FHC, por decreto ou MP, o que dá no mesmo, modificou autoritariamente a Lei Zico, de apoio ao esporte, discutida e aprovada pelo Congresso.
Pela Lei Zico, toda a política de esportes do país seria fixada por um conselho, formado por representantes das associações de clubes e de jogadores, inclusive. Aquela história de participação da sociedade, contra a centralização autoritária etc.
Por decisão autoritária de FHC, o conselho foi substituído pelo tal instituto, com um presidente autoritariamente nomeado pelo ministro. Pelé nomeou seu amigo e sócio para o cargo.
Algo de "novo" no episódio? Sim. Autoritarismo, veto à participação coletiva, desrespeito ao Congresso em uma escala que não se viu nem no regime militar.
* Banerj - o Banco do Estado do Rio de Janeiro vai ser privatizado por R$ 500 milhões. Os compradores estão felizes porque o governador carioca decidiu que o Estado, isto é, os contribuintes, ficarão com a parte "podre" (prejuízos do banco), estimada em R$ 2,5 bilhões.
Todas as operações de privatização do país são feitas desse jeito: siderúrgicas, ferrovias, bancos, companhias de energia elétrica são entregues a determinados grupos, enquanto o governo, isto é, a sociedade, "engole" bilhões de prejuízos.
O Estado tem-se prontificado a pagar as indenizações de trabalhadores demitidos, os débitos com a Previdência, impostos devidos a Estados e até a pagar empréstimos gigantescos que as empresas haviam assumido (e seriam quitados em dez, 20 anos). No caso da Companhia Siderúrgica Nacional, bom lembrar que, somente de empréstimos, o governo assumiu uma dívida de quase R$ 1 bilhão.
O que há de "novo" nessas operações escandalosas? O nome falso -"privatização"- que elas recebem. E o fato de serem feitas à luz do dia.
* Recessão - até cinco ou seis dias atrás, a equipe FHC/BNDES fazia o país mergulhar em um debate absolutamente disparatado. Dizia-se que Brasília se preocupava com um "superaquecimento" da economia neste Natal e poderia ser forçada a colocar "freios" no crédito e nos negócios.
Hoje, está gritantemente clara a situação de altos estoques no comércio, corte de encomendas à indústria, inadimplência do consumidor e falência de empresas. Exatamente o oposto ao "temor" da equipe FHC.
O que há de novo no reino dos tucanos? A capacidade de errar nas previsões. E, pior, a insistência em adotar medidas que agravam problemas e ampliam a crise. Ou a insistência em manter políticas que destroem setores inteiros da economia.
Basta relembrar que, ainda no começo do segundo semestre, os economistas de Brasília insistiam em prever que as exportações cresceriam e as importações cairiam, deixando um saldo de US$ 2 bilhões na balança comercial. Positivo.
Hoje, o Brasil amarga um "rombo" monstruoso na balança comercial, por causa da enxurrada de importações. A teimosia arrogante, o autoritarismo da equipe FHC é realmente um fato "novo".

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