São Paulo, quinta-feira, 5 de dezembro de 1996
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Calçadas vão a galeria de arte em Recife

VANDECK SANTIAGO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM RECIFE

Inscrições feitas por autores anônimos nas calçadas de Olinda (PE) transformaram-se em arte pelas mãos de dois artistas plásticos da cidade, os irmãos Aprígio, 42, e Frederico Fonseca, 40.
Uma exposição com parte dessas inscrições, transpostas para placas de bronze, será inaugurada hoje em Recife, prolongando-se até o próximo dia 16.
Na opinião do escritor Ariano Suassuna, secretário de Cultura de Pernambuco, Aprígio e Frederico são "profetas das calçadas" e fazem um trabalho "genial e revelador".
Outro entusiasta do trabalho dos dois, o também artista Francisco Brennand, disse que eles "mostraram uma sensibilidade exacerbada" ao fazer "vir à tona uma manifestação a que nós, desatentos, não prestávamos atenção".
Mapeamento
Aprígio e Frederico pesquisam o assunto há 18 anos e, nesse período, mapearam todas as calçadas da cidade.
Todos os desenhos encontrados foram catalogados -a maioria deles enfoca os órgãos sexuais feminino e masculino.
A vulva é o órgão mais desenhado nas calçadas, segundo a pesquisa dos artistas. "São vulvas desenhadas como se fossem um sol", compara Aprígio.
Outras figuras desenhadas são rostos humanos, animais, árvores, índios e até robôs. Os desenhos são feitos no cimento fresco das calçadas das ruas ou em lajotas de cerâmica encontráveis nos pátios da igreja.
Os instrumentos utilizados para fazer as inscrições são pedras, cacos de telha ou tijolo, pedaços de madeira e prego, entre outros.
No caso dos desenhos feitos em cimento, o traço denota pressa, explicável pelo fato de que são realizados sempre "sob um clima de proibição e transgressão", explicam Aprígio e Frederico.
Reprodução
Para levar as inscrições às placas de bronze, Aprígio e Frederico primeiro as reproduziram em moldes de gesso e depois as transpuseram para o metal. Em média, cada uma delas pesa 5 kg e mede 30cm x 30cm.
Até então os dois artistas só tinham feito a reprodução em xilogravuras.
Para obtê-las, eles pintavam a calçada com uma tinta preta látex, punham em cima um papel especial e faziam pressão com sacos de areia (que tem maleabilidade para reproduzir as irregularidades da superfície).
"Agora, em bronze, o trabalho terá mais perenidade, e a reprodução é idêntica. Nesse processo é possível captar todos os detalhes das inscrições e até a irregularidade do relevo", disse Aprígio.
"Quando transposta para a xilogravura, elas ficam todas planas, não se captam todos os detalhes", afirmou Frederico.
Ariano Suassuna, ao escrever sobre o trabalho dos dois, apontou semelhanças entre a pintura rupestre (gravada em rochas) pré-histórica, com a das calçadas de Olinda.
"E tem tudo a ver. Há semelhanças de traços e de temas", disse Aprígio.
Homens pré-históricos já desenhavam vulvas em rochas. Na gruta do Sol, no Piauí, por exemplo, pinturas rupestres com milhares de anos de idade mostram uma série delas.
Para os dois artistas, as inscrições nas calçadas "parecem ser" uma característica mais presente em Pernambuco do que em outros Estados. "Isso pode ser um componente da tradição do entalhe em madeira, típica na região", teorizou Aprígio.

Exposição: Bronzes das Calçadas de Olinda
Onde: Instituto de Arte Contemporânea (r. do Bom Jesus, 227, bairro do Recife, Recife)
Quando: de hoje a 19 de dezembro
Quanto: entrada franca

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