São Paulo, sexta-feira, 6 de dezembro de 1996
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Quem foi o primeiro a misturar arroz com feijão?

NINA HORTA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Um amigo de minha filha manda recado. Não vai aprender a cozinhar enquanto não encontrar um livro que trate de afinidades ou de casamentos falhados no céu.
Explica que não quer começar a misturar ingredientes partindo do zero se há, atrás dele, milhares de experiências acertadas. Não quer descobrir o mundo outra vez. Não quer receitas prontas, mas simplesmente saber o que combina com que para criar sozinho. Ovo com gelatina pode ser bom? Peixe com caldo de carne? E o alecrim?
Ai, meu rapaz, que assunto difícil. O que é o gosto? Onde mora o gosto? Quem são os árbitros do gosto?
As papilas da boca são velhas conhecidas. Com elas percebemos o doce, o salgado, o amargo, o azedo e pequenas variações conjugadas com cheiro, textura, temperatura.
E todo o resto, que não é pouco, vem acompanhado por uma variedade de fatores biológicos, culturais e psicológicos. Para o gosto do alimento contribui o contexto subjetivo do lugar em que você está, da emoção que sente, da época em que vive e do diabo a quatro.
Um grupo particular, étnico ou social tem um sistema de gosto próprio, muito específico. É só imaginar o Brasil, a criancinha nascendo, muita banana, arroz e feijão, ela não tem um bom motivo que seja para gostar de caviar.
Mas, o que pouca gente explica é que este mesmo bebê, já ao nascer, faz uma carinha boa para o açúcar e se retorce todo com o amargo!
As comidas desconhecidas do grupo são como vocabulários estranhos que podemos aprender como aprendemos línguas diferentes, aliás um divertido e gratificante processo que além de outros benefícios, como queda de preconceito, pode até engordar o feliz aprendiz.
Lembrando ainda que os sistemas de gosto de um grupo podem mudar. Há algum tempo São Paulo vem aprendendo a gostar de peixe cru e parece que vamos entrar no bê-á-bá da comida tailandesa.
E a propaganda? E as imposições das novas técnicas? Quem é que já nasceu gostando de caldo em cubinho, peixe congelado e leite em pó?
Com os estudos de paladar e de gosto, com certeza pulando de lá para cá, em manuais eruditos, parece que a razão exata pela qual uma comida dá prazer às papilas continua obscura. Mas, nós, simples mortais, sabemos muito bem do que gostamos. Há consensos, muitos consensos e algumas perplexidades.
Fala-se muito de pão, alimento da vida, símbolo dos símbolos, mas alguém gosta de pão, simplesmente pão? Seco? Passar a pão e água é castigo. Todo mundo gosta mesmo é de manteiga, manteiga com pão, azeite com pão, maionese com pão. O que é bom é a gordura e até sanduíche de chocolate é surpresa boa porque o chocolate também é um gordo.
Quem foi que inventou o que ia bem com sal, o que ia bem com açúcar? Quem inventou as primeiras combinações? Terá alguém feito um sanduíche de arroz antes de chegar à conclusão que o bom sanduíche era de feijão?
Quem foram os primeiros a misturar:
Figos com melão?
Tomates com manjericão?
Salsicha com mostarda?
Goiabada com queijo?
Morangos com creme?
Bife com batatas?
Ovos com bacon?
Pato com laranja?
Vodca e caviar?
Roquefort com pêras?
Arroz com feijão?
Café com leite?
Alcaparras com peixe?
Vai saber...

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