São Paulo, sexta-feira, 6 de dezembro de 1996
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Timor, grito de socorro

JOSÉ SARNEY

Por 80 anos, nos séculos 15 e 16, teve Portugal a posse soberana do mar oceano. A Escola de Sagres ensinara a lei dos ventos, a cor das águas, as correntes, a migração das aves marinhas, os mapas, tudo para desvendar as águas do sem-fim da Terra.
Construiu as carracas, embarcações bojudas, lentas, que saíam de Lisboa no último dia do ano rumo às Índias, escalas em Moçambique e Mombaça, e chegavam a Goa Dourada. Dominaram o estreito de Malaca. Chegaram a Timor, onde plantaram o Senado da Câmara e a Santa Casa de Misericórdia e a língua portuguesa.
Depois vieram os holandeses e ingleses, com caravelas mais rápidas, casco esguio, velas mais abertas, roubadas as cartas náuticas de Sagres e os instrumentos de navegar, com pilotos portugueses desertores, e saquearam as possessões lusitanas. Resistiram Goa, Timor e Brasil.
A causa de Timor é também brasileira. Ali defendemos as nossas raízes comuns da cultura portuguesa e, mais ainda, a nossa pátria, como dizia Pessoa, a língua portuguesa.
É o caso de Timor, uma guerra esquecida da confrontação Leste x Oeste. O Vietnã incendiava-se. Homens ligados à esquerda proclamam a independência unilateral de Timor, que é invadido pela comunhão de vontades americana e indonésia, no temor irracional de que aquele chão que também é nosso irmão se tornasse socialista.
Mata-se, trucida-se, esmaga-se. Timor está morto. Os tiranos o sufocam, proíbem até o ensino da língua portuguesa. Fazem aquilo que Cortez fez há 500 anos com os astecas. Sua língua ficou reduzida a restos de palavras que só os velhos papagaios nas copas das altas árvores sabiam.
Mas não se mata uma pátria. A luta vem dos heróis. Xanana Gusmão está condenado à prisão perpétua. Ele aceita todas as responsabilidades pela resistência. Ramos-Horta e o bispo Ximenes Belo falam pela agonia dos timorenses. "Mataram a Pátria e a Nação". É a grande denúncia.
Em 1985, presidente da República, nas Nações Unidas, quando essa causa tinha poucos adeptos, eu denunciei esse atentado ignóbil. Mário Soares, presidente de Portugal, não deixou morrer essa luta. Agora, o Prêmio Nobel da Paz, dado a esses lutadores, oferece ao mundo a visibilidade de uma das mais brutais de todas as violências cometidas contra um povo da comunidade de língua portuguesa, de nossa cultura comum. Não podemos tergiversar.
As relações comerciais do Brasil com a Indonésia não podem ser maiores que a defesa dos direitos humanos de um povo nosso irmão. Devemos ser duros nas relações bilaterais e nos organismos multinacionais para exigir o fim dessa ocupação.
Estou indo para Oslo a assistir à entrega do Prêmio Nobel da Paz aos lutadores de Timor Leste, e escrevo meu grito de revolta e de solidariedade, que deve ser dos brasileiros e de todos os povos para lutarmos pelo reconhecimento da livre determinação e independência daquele chão e povo. Timor.

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