São Paulo, sábado, 7 de dezembro de 1996
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A maldição das riquezas

RUBENS RICUPERO

Será possível que os países ricos em recursos naturais -petróleo, por exemplo- acabem tendo desempenho econômico muito mais medíocre que os pobres em tudo, exceto em gente?
A idéia parece, à primeira vista, extravagante e até contrária à lógica. Afinal, recursos abundantes deveriam, em princípio, aumentar a riqueza nacional e a capacidade exportadora, estimulando as taxas de investimento e de crescimento.
Não obstante, é impossível negar a evidência: no passado como no presente, são impressionantes os exemplos de recursos naturais que geraram decadência precoce e não crescimento sustentado.
O caso clássico é o da Espanha do século 17, incapaz de reciclar o ouro e a prata das colônias e logo suplantada pela pequena e modesta Holanda.
Em nossos dias, o Japão e, em seguida, Hong Kong, Cingapura, Taiwan e Coréia do Sul demonstraram que a exiguidade de recursos naturais não constitui obstáculo ao desenvolvimento. No outro extremo, países ricos em petróleo e outras riquezas, como a Venezuela, a Nigéria e o México, ainda se debatem para sair da bancarrota à qual foram precipitadas pelo dinheiro fácil.
Há um ano atrás, participei de um congresso de executivos em Caracas e ouvi as reflexões amargas do veterano escritor e político venezuelano Arturo Uslar Pietri.
Lembrava ele que, meio século antes, havia cunhado a famosa frase "é preciso semear o petróleo", a fim de sublinhar a necessidade de diversificar a economia por meio do uso judicioso dos ganhos auferidos com os recursos não renováveis.
A frase tinha feito fortuna e se convertera num lugar-comum, repetido por todos e aplicado por ninguém. A consequência: os fabulosos US$ 350 bilhões de receitas adicionais recebidas pelo país nos anos do choque do petróleo tinham virado fumaça, frustrando a imensa maioria, com exceção dos poucos que se abarrotaram ilicitamente.
Esse contraste paradoxal entre riqueza natural e pobreza econômica vem de ser examinado em Genebra pela Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e o Desenvolvimento) como parte do projeto maior em preparação para o ano 2000, consistente em dar balanço na experiência do desenvolvimento nestas últimas décadas e formular propostas para enfrentar os desafios do próximo século.
Para esse fim, reunimos alguns dos melhores especialistas em políticas de desenvolvimento em economias baseadas em recursos naturais, com trabalhos apresentados por Jeffrey Sachs e Andrew Warner, de Harvard, R.M. Auty, da Universidade de Lancaster, Adrian Wood, de Sussex etc.
O estudo mais provocativo foi talvez o primeiro, no qual Sachs e Warner afirmam que existe, estatisticamente, uma clara associação negativa, no período de 1970 a 1989, entre o crescimento econômico anual de um país e a porcentagem de suas exportações baseada em recursos naturais.
Essa conclusão, recusada por outros estudiosos, levaria os mais extremados a sustentar que os recursos naturais, além de ter deixado de ser vantagem decisiva para o crescimento econômico, poderiam até converter-se em desvantagem.
É o que se verificaria, por exemplo, nos países que se deixaram embalar pela riqueza fácil do petróleo e não só relegaram ao abandono o setor agrícola ou industrial, mas passaram também a praticantes habituais de políticas econômicas de desperdício e irresponsabilidade.
É nesse sentido que se chega a perguntar se a riqueza sem esforço não seria, no fundo, uma maldição disfarçada.
Podem-se invocar como adeptos dessa explicação desde Toynbee, com a sua teoria do desafio do meio como estímulo ao surgimento das civilizações, até o velho filósofo político francês Jean Bodin, que escrevia já em 1576: "Os homens de um solo gordo e fértil são, muito frequentemente, efeminados e covardes; enquanto, ao contrário, um país nu torna os homens temperados por necessidade e os faz, em consequência, cuidadosos vigilantes e industriosos".
Não disponho aqui de espaço suficiente para captar toda a variedade de dados e matizes de argumentos de uma discussão de dois dias em torno de mais de uma dezena de pesquisas e estudos técnicos.
A conclusão geral foi, porém, a de que a maldição das riquezas não é uma lei de ferro da economia, mas sim uma condição que conduz com assustadora frequência a abusos e desperdício, como resultado da tendência humana a confirmar, por um comportamento leviano, a lei do menor esforço. As riquezas naturais gerariam, desse modo, aquilo que o catecismo chama de "ocasião próxima do pecado".
Não haveria, contudo, nenhum determinismo, nem para o mal nem para o bem, na presença de recursos naturais abundantes.
O efeito final desses recursos dependeria, sobretudo, da qualidade das políticas adotadas para colocá-los a serviço de uma progressiva diversificação da economia, mediante elevação do valor agregado dos produtos e aperfeiçoamento dos recursos humanos e tecnológicos.
Num comentário próximo, espero abordar a experiência brasileira no passado, no contexto de desenvolvimento baseado em recursos naturais, e os impasses com que no presente nos defrontamos nesse setor.

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