São Paulo, sábado, 7 de dezembro de 1996
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Retrocesso na modernização do Estado

RICARDO YOUNG

O corporativismo empresarial em seu aspecto mais retrógrado subiu novamente à tona no episódio da eleição do Conselho Deliberativo do Sebrae (Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas).
As confederações e federações empresariais derrotaram a candidatura de Guilherme Afif Domingos à reeleição por ele haver sido um dos articuladores da medida provisória do estatuto das micro e pequenas empresas, isentando-as do pagamento das contribuições ao chamado "sistema S" (Sebrae, Sesi, Senai, Sesc etc.).
O estatuto entrou em vigor na forma de medida provisória, atropelando dois projetos que estavam em discussão no Congresso.
Apesar desse fato lamentável, não se pode deixar de reconhecer um grande avanço na nova legislação. Primeiro, por desburocratizar e simplificar o sistema tributário das micro e pequenas empresas. Segundo, por desobrigá-las do recolhimento ao "sistema S", o que representa um passo importante rumo à modernização do Estado e da economia.
Como se sabe, o "sistema S" foi originalmente criado com o nobre objetivo de contribuir para elevar o grau de conhecimento e a qualidade de vida dos trabalhadores.
Com o tempo, esse objetivo foi desvirtuado. Cada vez mais as verbas eram destinadas a custear federações e confederações. Recentemente, a Folha publicou um bem documentado dossiê mostrando que a contribuição obrigatória incidente sobre as folhas de pagamento era empregada no que bem entendessem os dirigentes empresariais dessas entidades.
Portanto, nada mais lógico que as micro e pequenas empresas fossem desobrigadas dessas contribuições, como primeiro passo para a reformulação do "sistema S".
Além de ser um fator de desoneração dos custos dessas empresas, a medida obriga federações e confederações a enfrentar um debate ao qual têm resistido: a questão de que Estado moderno e economia competitiva não se coadunam com corporativismo empresarial.
Nesse debate, diversas entidades empresariais modernas, entre as quais o PNBE (Pensamento Nacional das Bases Empresariais), têm sustentado que o "sistema S" precisa ser repensado, buscando-se fontes alternativas para o custeio das atividades educativas e de lazer por ele proporcionadas.
Por exemplo, as empresas de um determinado setor poderiam custear um projeto educacional específico de seu interesse.
Ao mesmo tempo, as federações e confederações teriam que se lançar na busca de recursos próprios para sua sobrevivência. Sem a contribuição obrigatória ao "sistema S", muitas delas teriam seu poder de lobby bastante enfraquecido e algumas até se extinguiriam.
A resposta das federações e confederações foi a derrota de Afif para o Sebrae. Ficou evidente que, por mais que essas entidades procurem mostrar uma imagem de identificação com a modernidade (por exemplo, reivindicando reforma tributária), no fundo, elas continuam atrasadas ao defender que o Estado esteja a serviço de seus interesses particulares.
Isso é demonstração do pior fisiologismo e do mais retrógrado corporativismo, atitudes incompatíveis com a modernidade que o país almeja.
Igualmente condenável é o fato de que os representantes do governo se aliaram ao corporativismo das confederações e federações e votaram majoritariamente na candidatura de um dirigente da CNA para o Conselho Deliberativo do Sebrae. Isso demonstra que outros interesses mais fortes se sobrepõem aos das microempresas e, sobretudo, que também ao governo falta vontade política para reformular o "sistema S".

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