São Paulo, sábado, 7 de dezembro de 1996
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DADA

CELSO FIORAVANTE
DA REPORTAGEM LOCAL

Os próprios dadaístas não acreditariam. No centenário de Tristan Tzara (1896-1963), seu maior ideólogo, o dadaísmo está mais forte que nunca e, há 80 anos, vem alimentando com suas tetas generosas grande parte dos movimentos artísticos desse século.
Além da reverência ao poeta romeno Tzara, há vários outros motivos para festa. Há 80 anos, no mal-afamado bairro de Niederdorf, em Zurique, foi fundado o Cabaré Voltaire, que reunia escritores e artistas em anárquicos recitais de poesia, música e dança.
Seu objetivo era questionar todos os valores da arte por meio de uma nova valorização dos objetos e procedimentos do cotidiano. Propunha o fim da arte elitista e contemplativa que se pautava no consenso estético e uma ode à anarquia e à ironia.
Também há 80 anos, Marcel Duchamp (1887-1968) prendeu uma roda de bicicleta em uma banqueta e criou o "ready-made" "Roda de Bicicleta" (1916), um dos ícones do movimento dadaísta.
Segundo Duchamp, é o olhar que deve transformar os objetos em arte. "Já em 1913 tive a feliz idéia de montar a roda de bicicleta sobre um banquinho de cozinha e de observá-la girando", disse.
Mas, por ironia do destino, o dadaísmo -que surgiu para destruir a arte por meio de uma antiarte- acabou se tornando o mais importante movimento artístico do século 20, responsável por toda a arte das décadas seguintes, do surrealismo à desmaterialização da arte.
Os norte-americanos Robert Rauschenberg e Jasper Johns, por exemplo, são dois neodadás e trabalham com colagens e objetos encontrados ao acaso, além de reutilizar de maneira artística imagens da cultura e do consumo de massa. Esses procedimentos também são o fundamento da arte pop, que também bebeu no dadaísmo.
Na Itália, a partir dos anos 60, um grupo de artistas privilegia a reutilização de elementos do cotidiano e da natureza (assim como o fez Jean Arp), o valor da ação do artista e a intervenção na natureza. É a "arte povera", que, assim como o dadaísmo (leia quadro à dir.), se manifesta em várias regiões do mundo.
Isso sem falar em termos como performance, instalação, multimídia, ruptura de suporte e ocupação dos espaços, que surgiram todos a partir dos preceitos dadaístas.
O Whitney Museum, em Nova York, reconhece todo esse valor e abriga, até 23 de fevereiro, sua homenagem ao movimento com a retrospectiva "Making Mischief: Dada Invades New York". Também acaba de ser lançada nos EUA o livro "Duchamp", de Calvin Tompkins, uma nova biografia do artista plástico.
É a primeira vez que o Whitney exibe uma mostra não essencialmente americana. "Quando esses artistas europeus vieram para os EUA e produziram eventos aqui, eles afetaram muito a história da arte nos EUA", disse o curador Francis Naumann à Folha, de Nova York, por telefone.
A mostra no Whitney analisa o desenvolver do movimento na cidade, liderado por Francis Picabia (1879-1953), Man Ray (1890-1976) e principalmente Duchamp.
"Não há dúvidas que Duchamp é a força mais influente em toda a história da arte do século 20. Hoje ninguém está tentando ser cubista. Todos estão de olho nas potencialidades e possibilidades da incorporação dos 'ready-mades' nas obras de arte", disse o curador Naumann.
Aos três artistas se soma a artista Beatrice Wood, a única representante do movimento ainda viva, hoje com 103 anos e ainda em atividade artística. Vive na Califórnia.
Wood formou com Marcel Duchamp e o escritor Henri-Pierre Roché um triângulo amoroso, utilizado por Roché em seu livro mais famoso: "Jules et Jim". O livro se tornaria filme nas mãos de François Truffaut.
Todos eles se reuniam em torno da galeria 291, do fotógrafo Alfred Stieglitz (marido da pintora Georgia O'Keeffe) e do apartamento do casal Walter e Louise Arensberg, grandes mecenas do movimento.

LEIA MAIS sobre o movimento dadaísta à pág. 5-4.

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