São Paulo, sábado, 7 de dezembro de 1996 |
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Maria Bethânia inunda o palco de voz e poesia
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
Parte do mérito deve ser creditada ao diretor teatral Fauzi Arap, que roteiriza e dirige shows da cantora baiana desde os 60 e volta agora a unir suas forças às dela. Com Arap, Bethânia consegue feito ímpar nos 90: torna importante um espetáculo que se estrutura nos pilares da voz e da poesia. Outros componentes -arranjos, banda, iluminação- não são menos relevantes, mas quase se apagam diante do que ela faz com a voz e com as letras das canções. Nem são só letras de canções. Poemas dos diversos heterônimos de Fernando Pessoa amarram conceitualmente o roteiro musical, em procedimento que ela já adotava há duas décadas. Política, intercala-os em momentos-chave, transformando em manifestos as singelas canções que escolhe cantar. Assim se derrama um dos pontos nevrálgicos do show: o clássico kitsch "Mensagem" ("quando o carteiro chegou e o meu nome gritou com uma carta na mão...") é recheado do batido jargão "todas as cartas de amor são ridículas", do heterônimo Álvaro de Campos. Valores se subvertem, e é este o seu discurso: o kitsch está arraigado na cultura popular brasileira e é tão cortante quanto um poema de Fernando Pessoa. Isso Maria aprendeu de Roberto Carlos, que hoje parece seguir outro rumo. Nessa mesma teleologia, Bethânia interpreta "Chão de Estrelas" (Sílvio Caldas-Orestes Barbosa), "Gita" (Raul Seixas), "Lama" (Aylce Chaves-Paulo Marques), "Negue" (Adelino Moreira). Abre sorriso largo de felicidade e no momento seguinte fecha o rosto em profunda tristeza, enquanto anuncia a nobreza de Manoel Bandeira ("Brisa") e Chico Buarque. Cantando "Rosa dos Ventos" ou "Uma Canção Desnaturada" (da peça "Ópera do Malandro", nova intervenção teatral), confirma-se como a voz que melhor traduz a obra de Chico Buarque. Cantando "Lamento Sertanejo" e "Viramundo", insinua que seria também a grande intérprete da obra de Gilberto Gil, se mais a ela se dedicasse. O outro núcleo nervoso se estabelece quando canta "Lua Vermelha" (Carlinhos Brown-Arnaldo Antunes), enchendo de vontade política versos como "sapos na calçada/ de nenhum país" e de lirismo outros como "lua vermelha/ noite sem Luís/ toda sertaneja/ eu sempre te quis". E são apenas momentos mais intensos de um show que, nos respiros, se preenche de vozeirão de baiana bacana e anacrônica que canta "eu estava apaixonada, meu Deus" e faz todo mundo entender o que é estar apaixonado. "Ai, ai, ai, isso é tão bom, minha nega, mas pra mim chega", arremata, rasgada. É isso. Show: Âmbar Artista: Maria Bethânia Onde: Palace (al. dos Jamaris, 213, tel 011/531-4900, Moema, zona sul) Quando: qui, às 21h30; sex e sáb, às 22h; dom, às 20h; até dia 15 Quanto: R$ 30 a R$ 60 Texto Anterior: Contos levantam fundos para campanha Próximo Texto: 'Rei' faz cover de si mesmo Índice |
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