São Paulo, sábado, 7 de dezembro de 1996
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Maria Bethânia inunda o palco de voz e poesia

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REDAÇÃO

Está de volta a Maria Bethânia que arrebatou palcos e platéias na primeira metade dos anos 70 com shows musicais/teatrais como "Rosa dos Ventos" (71) e "Drama" (72). "Âmbar", espetáculo que ela estreou anteontem no Palace, é novo manifesto teatral-poético-ideológico-subversivo, nos moldes dos que fazia nos 60 e 70.
Parte do mérito deve ser creditada ao diretor teatral Fauzi Arap, que roteiriza e dirige shows da cantora baiana desde os 60 e volta agora a unir suas forças às dela.
Com Arap, Bethânia consegue feito ímpar nos 90: torna importante um espetáculo que se estrutura nos pilares da voz e da poesia.
Outros componentes -arranjos, banda, iluminação- não são menos relevantes, mas quase se apagam diante do que ela faz com a voz e com as letras das canções.
Nem são só letras de canções. Poemas dos diversos heterônimos de Fernando Pessoa amarram conceitualmente o roteiro musical, em procedimento que ela já adotava há duas décadas. Política, intercala-os em momentos-chave, transformando em manifestos as singelas canções que escolhe cantar.
Assim se derrama um dos pontos nevrálgicos do show: o clássico kitsch "Mensagem" ("quando o carteiro chegou e o meu nome gritou com uma carta na mão...") é recheado do batido jargão "todas as cartas de amor são ridículas", do heterônimo Álvaro de Campos.
Valores se subvertem, e é este o seu discurso: o kitsch está arraigado na cultura popular brasileira e é tão cortante quanto um poema de Fernando Pessoa. Isso Maria aprendeu de Roberto Carlos, que hoje parece seguir outro rumo.
Nessa mesma teleologia, Bethânia interpreta "Chão de Estrelas" (Sílvio Caldas-Orestes Barbosa), "Gita" (Raul Seixas), "Lama" (Aylce Chaves-Paulo Marques), "Negue" (Adelino Moreira).
Abre sorriso largo de felicidade e no momento seguinte fecha o rosto em profunda tristeza, enquanto anuncia a nobreza de Manoel Bandeira ("Brisa") e Chico Buarque.
Cantando "Rosa dos Ventos" ou "Uma Canção Desnaturada" (da peça "Ópera do Malandro", nova intervenção teatral), confirma-se como a voz que melhor traduz a obra de Chico Buarque.
Cantando "Lamento Sertanejo" e "Viramundo", insinua que seria também a grande intérprete da obra de Gilberto Gil, se mais a ela se dedicasse.
O outro núcleo nervoso se estabelece quando canta "Lua Vermelha" (Carlinhos Brown-Arnaldo Antunes), enchendo de vontade política versos como "sapos na calçada/ de nenhum país" e de lirismo outros como "lua vermelha/ noite sem Luís/ toda sertaneja/ eu sempre te quis".
E são apenas momentos mais intensos de um show que, nos respiros, se preenche de vozeirão de baiana bacana e anacrônica que canta "eu estava apaixonada, meu Deus" e faz todo mundo entender o que é estar apaixonado.
"Ai, ai, ai, isso é tão bom, minha nega, mas pra mim chega", arremata, rasgada. É isso.

Show: Âmbar
Artista: Maria Bethânia
Onde: Palace (al. dos Jamaris, 213, tel 011/531-4900, Moema, zona sul)
Quando: qui, às 21h30; sex e sáb, às 22h; dom, às 20h; até dia 15
Quanto: R$ 30 a R$ 60

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