São Paulo, domingo, 8 de dezembro de 1996
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Balas perdidas mudam rotina do carioca

VANESSA DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

17h. Tijuca, Rio. No 18º andar de um prédio próximo ao morro do Turano, um grupo de pessoas se encontra para mais uma sessão de terapia. Começa o tiroteio.
O grupo, assustado, se abaixa e procura se esconder, com medo de que alguma bala perdida entre pela janela.
"O consultório fica em frente ao morro. É incrível, porque nem mesmo a terapeuta conseguiu adotar uma postura de neutralidade", diz a psicóloga Soraya Salene, 31, que fazia parte do grupo quando o tiroteio aconteceu.
Episódios como esse mostram que a violência no Rio está fazendo outra vítima: o cotidiano dos cariocas, que hoje se vêem "obrigados" a se esconder no banheiro (leia texto ao lado) durante a madrugada, a correr para dentro de bares e até mesmo a mudar a disposição dos móveis, como aconteceu com o prefeito Cesar Maia.
Outros já se acostumaram tanto à violência que hoje são capazes de dormir tranquilos ao som de tiros.
Segundo o músico Alexandre Brandão, 29, músico, há cerca de três anos barulhos de tiros no Rio Comprido não eram muito frequentes.
"Nas primeiras vezes, cheguei a chamar a polícia. Hoje me acostumei a escutá-los à noite. Isso não atrapalha mais o meu sono."
Brandão diz que acabou se acostumando também a ficar em casa à noite por se sentir mais protegido.
Para quem ainda não se acostumou ao fato, o medo de balas perdidas acaba sendo motivo para acabar com um churrasco.
"Fui a um churrasco na casa de uns amigos, na Vila da Penha, quando começou um tiroteio no meio da rua. Todos se abaixaram, procurando se proteger. O tiroteio acabou com a festa. Recolhemos tudo e tivemos de voltar para casa", disse Valter, 31, que não dar seu sobrenome.
Segundo o músico Humberto Barros, 31, o medo de ser atingido por balas perdidas tem uma razão: é difícil saber de onde estão saindo os tiros. "É difícil localizar a fonte de sons como esses, normalmente agudos."
Barros conta que estava saindo da casa da mãe, que mora em Copacabana (zona sul do Rio), próximo às favelas de Pavão e Pavãozinho. "Tinha resolvido ir para casa, em Ipanema, pela praia, à pé, quando comecei a escutar tiros. Sabia que eles vinham do alto, mas não conseguia saber de que direção. Quando percebi, havia me escondido atrás de um carro."
Balas perdidas também mudaram a rotina da prefeitura da cidade. Na última quinta-feira, uma bala atingiu o Palácio da Cidade, em Botafogo (zona sul do Rio), sede da prefeitura para eventos de gala, levando o prefeito da cidade, Cesar Maia, a ter de mudar a posição de sua mesa de trabalho.

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