São Paulo, domingo, 8 de dezembro de 1996
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'Só lá fomos descobrir o que era ditador'

RICARDO BONALUME NETO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O carioca Nilton Miguel Ajuz conta como surgiu a oportunidade de ir ao Caribe: "Encontrei um colega da FAB que me falou dessa chance. Mandou procurar o comandante Joper, das Aerovias Brasil, genro de um coronel dominicano. Joper me perguntou se eu teria como arranjar uns oito pilotos para formar metade de um grupo de caça".
Ao mesmo tempo, Trujillo comprava armamentos brasileiros, como fuzis e velhos canhões, que seriam enviados por mar (para ensinar como usar esse material, dois oficiais e dois sargentos do Exército moraram na República Dominicana na mesma época que os aviadores).
Não foi difícil aceitar. Eles eram jovens, e aquilo era uma aventura. Seriam pagos em dólar, e voariam aviões com os quais sonhavam, como o P-51 e o caça bimotor P-38 Lightning.
Nenhum deles tinha sequer ouvido falar do general Rafael Leonidas Trujillo Molina. "Só lá que fomos descobrir o que era um ditador. A polícia do Vargas era fichinha perto daquilo", diz Martins.
"Éramos homens visados. Os refugiados dominicanos tinham fichas aqui no Brasil com nossos retratos" lembra Ajuz.
Os brasileiros usavam o fardamento cáqui das forças dominicanas, sem insígnias de posto ou distintivos de unidades. Mas tinham status de oficiais.
Os caprichos do ditador e de alguns de seus generais influíam no trabalho dos instrutores. Havia um general que, toda vez que via algo diferente em um filme de aviação, pedia para os brasileiros ensinarem isso aos seus alunos.
Prontidão
Certa vez os aviões tiveram de formar as iniciais do nome de Trujillo no ar. Mas o ditador realmente gostava era da prontidão das esquadrilhas. Os brasileiros conseguiram fazer com que os aviões decolassem em um minuto e meio, dois minutos depois de dado um alarme.
Trujillo gostava de chegar na base de repente para simular uma emergência -mesmo de noite. E a prontidão não era apenas "pra ditador ver". Era real.
"Mas havia um grande risco de acidente, porque muitos dos alunos ainda eram novatos", lembra Martins.
Eles ganhavam perto de US$ 1.000 por mês -e naquela época a moeda americana valia e comprava bem mais. "Era uma vida de regalias. Vivia em um apartamento de frente para a praia, tinha três empregadas. Quase todos, na volta, trouxeram um carro para o Brasil, puderam comprar apartamento e economizar bastante dinheiro", segundo Ajuz. "Éramos convidados para todas as festas, a turma era muito alegre", afirma Martins.
Problemas pessoais
Eles voltaram depois que já tinham treinado um núcleo de pilotos dominicanos, mas também quando começaram a surgir problemas pessoais, notadamente com o gaúcho João Carlos Menna Barreto.
Ele era assíduo frequentador do cassino e namorador. Esteve casado por um tempo com uma sobrinha de Trujillo. O problemático casamento azedou as relações com o ditador.
Menna Barreto foi provavelmente um dos raros sujeitos a discutir com Trujillo, levantando a voz e de dedo em riste, e a sair vivo para contar a história.
Teve, porém, de sair do país. Seus colegas brasileiros também foram embora, em 1950, depois de cerca de dois anos e dois contratos de trabalho. Foram corretamente pagos e deixaram para Trujillo uma força aérea competente.
A Força Aérea Dominicana foi fundamental para o fracasso de duas novas tentativas de exilados, em abril e junho de 1959. Trujillo foi assassinado por líderes militares em 1961.
A década de 60 foi de turbulência política no país do Caribe, envolvendo até uma intervenção americana e de países da Organização dos Estados Americanos em 1965, que incluiu tropas brasileiras.

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