São Paulo, segunda-feira, 9 de dezembro de 1996
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Vale privatizada pode lucrar 3 vezes mais

CELSO PINTO
DO CONSELHO EDITORIAL

A Vale do Rio Doce privatizada poderá dobrar, ou mais do que dobrar, seu lucro. É com essa previsão que trabalham alguns grandes bancos no mercado, como o Citibank, e essa expectativa está embutida nos preços das ações da Vale na Bolsa.
O vice-presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), José Pio Borges, responsável pela privatização, concorda com a avaliação do mercado e acha que a Vale privada pode lucrar de duas a três vezes mais.
Isso não quer dizer que a atual administração da Vale seja incompetente. Boa parte desse cálculo está apoiada nos ganhos em agilidade e flexibilidade que a Vale terá ao deixar de ser estatal.
Vem também da comparação entre a lucratividade da Vale e de outras grandes mineradoras no mundo. No ano passado, o lucro líquido da Vale foi equivalente a 3,2% do patrimônio líquido.
Num grupo de oito grandes mineradoras internacionais analisadas pela União de Bancos Suíços, a média foi de 15% (ver quadro). Mesmo a brasileira Samitri teve um retorno de 9,2%.
Outros critérios
A Vale tem alegado que a comparação é injusta, porque os critérios contábeis são diferentes. O tiroteio nessa área vai além.
Num recente pronunciamento no Senado, o presidente do BNDES, Luiz Carlos Mendonça de Barros, alegou que a Vale foi um mau negócio para seu controlador, o governo federal.
Desde a fundação da Vale, em 1942, até 1985 o governo recebeu em média apenas 1% ao ano em dividendos. De 85 até hoje, a média foi de 2% ao ano.
A Vale sustenta que, usando um critério contábil norte-americano, o retorno da Vale no ano passado teria sido de 9,75%, usando um segundo critério iria a 10,8%. Bem distante dos 3,2% obtidos pelo critério brasileiro. Quem tem razão?
Correção dos balanços
A correção dos balanços no Brasil tem uma história acidentada. José Luis de Melo, sócio da Price Waterhouse, lembra que o índice aplicado esteve sujeito a seguidas subestimações (no Plano Verão, em 89, no Plano Collor, em 90, e no Real, em 94), ou superestimações (lei 8.200 que corrigiu o efeito do Plano Collor e a correção por uma Ufir de 22% no ano passado).
Mesmo sem considerar as distorções locais, contudo, há espaço para discussão. Usando o critério contábil americano (o US GAAP), o patrimônio líquido da Vale, que era de US$ 10,981 bilhões no final do ano passado, no critério brasileiro, seria reduzido em US$ 3 bilhões, pelos cálculos de Luiz Felix Cavallari Filho, analista do Citi.
O retorno maior nesse critério, contudo, deve ser olhado com cautela. No critério americano, o lucro da Vale em 95 ficou perto de US$ 1 bilhão, enquanto no brasileiro ficou em US$ 343 milhões.
Só que cerca de US$ 500 milhões do resultado americano vieram de um puro ajuste contábil do Imposto de Renda diferido em anos anteriores.
Em outros termos, o lucro de fato operacional ficou em torno de US$ 500 milhões, o que daria um retorno de 6,2% sobre o patrimônio ajustado pelo critério americano. Ainda muito inferior ao das outras grandes mineradoras.
O Citi calcula que esse lucro de US$ 500 milhões pode crescer para até US$ 1,050 bilhão com a privatização. Hoje, a relação preço/lucro (P/L), que mede em quantos anos um investidor teria o retorno do capital, dada a lucratividade da empresa, chega a 24,3, um índice muito alto, tanto comparado a outras mineradoras brasileiras (o P/L da Caemi e da Samitri, por exemplo, é de 14), quanto internacionais.
Com o dobro do lucro atual, a relação P/L da Vale chega a um nível mais razoável. O mercado, portanto, já está embutindo no preço das ações da Vale uma enorme valorização.
Mas de onde vem tanta certeza de que os lucros da Vale vão crescer tanto com a privatização?
Ganhos potenciais
Cavallari e outro analista de um banco de investimentos de porte, listam uma série de ganhos potenciais:
1) Como estatal, qualquer compra da Vale está sujeita a licitação. Por essa razão, a empresa tem estoques para seis meses. Sem essa exigência, os estoques poderiam cair para 15 dias, e a economia poderia chegar a US$ 50 milhões por ano em capital de giro.
2) 20% do custo da Vale vem da contratação de serviços de terceiros. Como empresa privada, haveria espaço para ganhos. Um exemplo menor: o contrato para os ônibus usados em Carajás é renovado a cada três meses, porque está sujeito a licitação. Se fosse de longo prazo, certamente as condições poderiam ser melhores.
3) A Vale exporta 70% do que fatura, mas não maximiza os ganhos financeiros que poderiam ser gerados porque, como estatal, tem restrições para aplicações em dólares. Operando livremente e alavancando sua receita em moedas internacionais, poderia ter um ganho extra enorme.
4) A empresa tem restrições para investir ou desinvestir. Tem participações importantes em projetos na área de alumínio, papel e celulose e siderurgia, entre outros, que geram caixa, mas que penalizaram o resultado da empresa nos últimos dois anos. Como empresa privada, a Vale teria mais liberdade para decidir vender alguns ativos, cobiçados por outras empresas, e concentrar recursos na exploração de outros, como o ouro de Serra Leste, maximizando resultados.
5) Apesar dos esforços de ajuste feitos desde 1992, quando a Vale assinou seu primeiro contrato de gestão com o governo, se comprometendo com metas de desempenho, certamente há ganhos a realizar na área de pessoal e outros gastos. Um analista argumenta, por exemplo, que o gigantesco prédio da Vale no Rio poderia, sem grandes problemas, ser trocado por alguns andares em Belo Horizonte ou Vitória.
Suspeita
Os adversários da privatização da Vale tendem a ver com suspeita a idéia de que, privada, a empresa possa gerar mais lucro, que iria parar nas mãos de seus acionistas nacionais e estrangeiros. É uma suspeita que esquece dois pontos.
O primeiro é que, mais lucrativa, a empresa poderá investir mais, buscar mais capital no mercado acionário e gerar mais produção.
Reservas
A Vale é uma empresa riquíssima em reservas minerais, mas elas só se traduzem em empregos quando são exploradas.
Como estatal regida por uma regra que diz que o Estado tem que ter 51% do capital, a Vale não pode buscar novos acionistas se o Estado não tiver dinheiro para acompanhar. A quebra do Estado, nos anos 80, limitou a capacidade de expansão da Vale.
O segundo é que mais lucros significam mais impostos. A uma taxa nominal de 35% de Imposto de Renda, os ganhos potenciais do Tesouro com um lucro duas ou três vezes maior é mais do que significativo. No caso da privatização da siderurgia, lembra Pio Borges, esse foi um ganho adicional superior a US$ 300 milhões.
Entre os vários argumentos que se pode usar em favor da privatização de empresas como a Vale, o que parece fazer mais sentido é o do ex-ministro Mário Simonsen.
Olhando o custo pago pelo governo para colocar seus papéis e o retorno alternativo que tem em suas empresas, com ou sem critério contábil americano, não há dúvidas que privatizar é usar melhor um dinheiro escasso.

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